Blog que tem o objetivo de reunir informações interessantes a respeito da cachaça artesanal paulista, licores, bebidas destiladas, gastronomia e outras relacionadas.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Vale ouro
Revista Metropole
Com preços de grandes uísques e vinhos safrados, a cachaça premium chega ao mercado e impõe um novo padrão ao popular destilado brasileiro
Bruno Ribeiro bruno@cpopular.com.br
Se você é daqueles que ainda mantêm o velho preconceito contra a cachaça, esqueça. Esqueça os rótulos malfeitos e as garrafas rústicas de vidro escuro, que sempre foram símbolos de aguardente. A velha caninha se sofisticou também na embalagem. Agora já pode ser encontrada em garrafas de cristal, cerâmica ou louça com estilos próprios.
Algumas, a exemplo da Sarau Dona Beja, podem vir com detalhes em ouro feitos à mão. “As chamadas cachaças premium já custam mais caro do que um legítimo uísque escocês”, diz Dirceu Maiante, proprietário da Cachaçaria Água Doce. Dependendo da marca, o preço de uma premium para o consumidor pode variar de R$ 100 a R$ 1 mil, como é o caso da Havana, que há dois anos deixou de ser engarrafada com este nome e virou raridade.
Curiosamente, a cachaça mais cara do País ainda é vendida em garrafas comuns, de vidro fosco, por uma questão de tradição. Produzida em Salinas (MG), a Havana já era considerada uma das melhores cachaças artesanais do Brasil quando, em uma briga judicial, o produtor Anísio Santiago perdeu o direito sobre a marca. A garrafa e a bebida continuaram a mesma, porém o rótulo teve de sofrer uma alteração: de Havana passou a levar o nome de seu criador, Anísio Santiago. Hoje, uma garrafa com o rótulo original e número de série custa entre R$ 700 e R$ 1 mil no mercado.
“Uma legítima Havana é peça de colecionador. Quem tem não vende de jeito nenhum, na esperança de que valorize ainda mais”, explica Lídia Attilio, proprietária da Cachaçaria Brasil, onde a dose desta cachaça custa nada menos que R$ 22. “Quando acabar o nosso estoque de Havana, que é pequeno, provavelmente vamos ter de aumentar o preço da dose, já que está cada vez mais difícil achar garrafas originais”.
Apesar do preço elevado, há consumidores que não tomam outra marca que não seja feita nos alambiques de Anísio Santiago. Como afirma Gláucia Lima, também proprietária da Água Doce, foi-se o tempo em que o cliente pedia a cachaça pelo preço. “Hoje, o apreciador vai atrás de qualidade”, acredita.
A qualidade da cachaça é reconhecida até por hotéis cinco estrelas e restaurantes requintados, como o badalado Fasano, em São Paulo. No cardápio, antes reservado apenas aos melhores vinhos e champanhes, já é possível encontrar, por exemplo, a cachaça GRM, de Araguari (MG). A dose não sai por menos de R$ 25.
“O que os alambiques artesanais estão fazendo é uma pequena revolução”, define Wendel Alves da Silva, proprietário da cachaçaria Empório São Joaquim. Para ele, “os produtores perceberam que não adiantava fazer cachaça em escala industrial para competir com a indústria de aguardente e encontraram seu filão de mercado nas cachaças premium”.
Ainda segundo Wendel, o preço das cachaças especiais acaba sendo alto, também, porque a produção artesanal é sempre baixa em relação à procura do consumidor. O “mistério” que cerca algumas marcas e a dificuldade de encontrá-las são fatores que colaboram para a elevar os preços. “Ter em casa uma marca específica acaba sendo um desafio para os colecionadores, por exemplo”, diz.
Para os amigos
A Tonel 40, cachaça artesanal produzida inicialmente para presentear amigos, pela procura acabou levando seu criador, o engenheiro eletrônico Eduardo Stersi, a abandonar a antiga profissão e se dedicar quase que exclusivamente à ela. “Minha meta é ter uma estrutura razoável para sobreviver apenas da cachaça”, diz.
Como a produção é muito baixa – Stersi conta apenas com 25 tonéis –, as cachaças são vendidas em caixas de madeira e vêm acompanhadas de rolo de fumo e canivete ou charuto baiano e guilhotina. O preço do kit é R$ 100.
Pela maneira como é produzida, a Tonel 40 pode ser considerada uma cachaça premium. “Como a acidez é praticamente zero, quando degustada tem-se a impressão de que é mais suave”, observa.
Antes de abrigar a cachaça, cada barril escocês – o mesmo usado na fabricação dos uísques – é lavado com malte e mel para absorver a acidez da bebida. Nos dois primeiros anos, o líquido permanece intocado. “É ideal que o tonel permaneça num local calmo e escuro”, recomenda. A Tonel 40 mais procurada é a que apresenta envelhecimento de nove anos.
Com certidão de nascimento
Há pouco mais de um mês, o Brasil enviou à Organização Mundial de Alfândegas (OMA) um pedido de registro internacional da denominação. Em inglês: cachaça. Em francês: cachaça. Em espanhol: cachaça. Desse modo, preservando o nome original da bebida, a boa e velha cachaça começa a conquistar o mundo. “Daqui para frente, nenhum outro país poderá usar a marca brasileira para produzir qualquer tipo de bebida”, diz Wendel Alves da Silva.
A cachaça agora vai chegar às mesas do mundo inteiro com certidão de nascimento, assim como o rum e a tequila. “Levar nome próprio em qualquer lugar do mundo é uma vitória dos produtores nacionais e um reconhecimento mundial da qualidade e do refinamento de marcas brasileiras”, completa Dirceu Maiante, da Cachaçaria Água Doce.
Sem preconceito
Produzida desde o século 16, a mais brasileira das bebidas perde atualmente apenas para a cerveja no ranking das mais consumidas no País. Depois de séculos de discriminação, a “marvada” está bem cotada e, enfim, é reconhecida como um bom destilado pelas classes média e alta no Brasil, nas quais o consumo vem aumentando de forma significativa.
“O mercado para a cachaça está em ascensão, tanto dentro quanto fora do Brasil”, afirma Wendel Alves da Silva, do Empório São Joaquim. Na casa, localizada no distrito de Joaquim Egídio, a cachaça já responde por 60% do faturamento mensal.
Para Wendel, a recente descoberta da cachaça pelo consumidor estrangeiro, sobretudo o europeu, aliada à crescente procura do consumidor interno, tem impulsionado o surgimento de inúmeras marcas artesanais em destilarias espalhadas por todo o País, sobretudo no Estado de Minas Gerais, o maior produtor nacional.
Segundo a Ampaq – Associação Mineira dos Produtores de Cachaça Artesanal – há hoje mais de oito mil alambiques no território mineiro. “Muita gente já está substituindo o uísque pela cachaça. Hoje o cliente já pede a bebida pela região onde é feita e pela madeira em que é envelhecida, ou seja, estamos aprendendo a degustar o nosso produto”, diz Wendel, associado do G8, grupo sediado em São Paulo que agrega produtores, distribuidores e promotores da cachaça de todo o Brasil.
“A idéia da associação é divulgar as melhores marcas e expandir ainda mais o mercado para os nossos produtos, mostrando que uma boa cachaça pode ser tão ou mais saborosa que os melhores destilados do mundo”, afirma.
Em busca de mesas elegantes ao redor do mundo, os produtores, segundo o sócio da G8, vêm buscando novidades que os destaquem. Uma tendência recente é a cachaça orgânica. Nesse conceito, a cana-de-açúcar, a matéria-prima, é produzida sem adubos industriais e herbicidas. A bidestilação, que torna a bebida mais pura, veio com a necessidade para facilitar a exportação.
Já a cachaça Espírito de Minas, uma das mais cobiçadas do País, selecionou uma reserva especial, armazenada durante seis anos, e pediu ao artista plástico Aldemir Martins uma releitura do tradicional rótulo. “Essa combinação de estratégias de marketing e cuidados com a produção é o caminho mais curto para que a cachaça chegue aos 42 milhões de litros de produção estimados para 2010”, afirma Wendel.