sábado, 27 de agosto de 2011

Um mundo diferente. É a Nova Cintra


Publicado em 22/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos - Leda Mondin

Nos alambiques da década de 20 a pinga que cheira a canavial

Tem gente que não deixa por menos: defende a tese de que a cachaça nasceu na Baixada Santista, mais precisamente a Oeste do Morro da Nova Cintra, onde foi levantado o primeiro engenho de cana-de-açúcar do Brasil, o de São Jorge dos Erasmos. Como engenho logo lembra aguardente, não falta quem resgate para a região o privilégio de ter preparado a bebida mais popular do Brasil pela primeira vez.

O que ninguém duvida é que a Baixada Santista teve uma importante cultura canavieira e que a Nova Cintra produzia a melhor cachaça que Santos bebeu. E, por incrível que pareça, lá ainda há dois alambiques da década de 1920, onde se fabrica a famosa pinga de gosto adocicado e que cheira a canavial.

A tradição do morrão é mantida pelos filhos do Chico sem Palavra, hoje um homem muito doente, e pelo Eduardo, que aprendeu os segredos da destilação com o pai. Só que eles produzem apenas para abastecer parentes e amigos. Afinal de contas, sabem o que é uma boa pinga e não querem ver as pessoas queridas bebendo caninha que incha a cabeça, os pés e afina os braços.

A única diferença dos alambiques do começo do século fica por conta da substituição da velha moenda puxada a burros ou bois por moedores elétricos, mais rápidos e econômicos. No mais, permanecem as mesmas caldeiras e cabeçotes de cobre, as mesmas barricas de madeira, as garrafas com formatos diversos e o velho e infalível alcoholômetro, o "segundo Cartier".

E saibam que a Nova Cintra teve mais de 30 alambiques do tipo, os chamados cebolinhas. Dizem até que foram os ilhéus lá do morro que criaram o termo morrão, um dos quase 300 sinônimos da cachaça. E a bebida produzida por eles ficou tão famosa que as destilarias de outros lugares de Santos inventaram um nome de pinga, Morrão do Morro, para confundir os compradores.

Os alambiqueiros e os segredos do processo de destilação da garapa - Quem não conheceu o Morrão do Engenho Leal, fabricado pelo Chico sem Palavra? Dona Amália varou noites selando as garrafas de pinga que o marido venderia de bar em bar, de porta em porta. Ainda hoje ela guarda alguns desses selos, confeccionados na época em que a fiscalização era rígida e se exigia dos fabricantes firma registrada. Ai que se pegasse alguém vendendo pinga clandestinamente...

Primeiro o Chico descia o morro com os garrafões nas costas. Depois fez umas economias e comprou um Chevrolet 1928, que conserva até hoje no porão. Atualmente quem anda às voltas com o alambique é o filho Arlindo, que aprendeu com os pais, entre outras coisas, que as canas doces são as que crescem nas encostas e com elas se faz a melhor pinga.

"Seu" Eduardo, filho do português que fabricava o igualmente famoso Morrão do Engenho São Luís, diz que se corta a cana pelas épocas de julho. Corta rente, mói e com a guarapa (corruptela de garapa) se enche as barricas de madeira. Para ajudar na fermentação, basta adicionar um pouco de fermento ou juntar um restinho de garapa já fermentada.

O tempo de fermentação varia, e os alambiqueiros sabem que a guarapa está no ponto quando pára de chiar. Então é hora de jogar tudo na caldeira de cobre para a destilação. A caldeira é esquentada com fogo de lenha e o vapor da cana fermentada passa por um cano e por uma serpentina que fica dentro de um tanque com água fria. Com o esfriamento, o vapor se transforma em líquido e cai direto nos garrafões.

Parece fácil, mas há muitos detalhes para se observar. O fogo, por exemplo, tem que ser controlado a todo instante para que o líquido caia bem devagar no fim da serpentina. E a melhor pinga é a de 19 graus; mais forte que isso só para aqueles homens bravos, desses valentões que não temem nada.

E há muitos outros segredos que se podem descobrir em conversas com o Arlindo, dona Amália e "seu" Eduardo. Gente que anos após anos vem fabricando o morrão que o santista não bebe mais.

Princípios básicos da destilação

Basicamente a destilação é um processo químico básico que envolve a separação das substâncias químicas, nos seus diferentes elementos baseados na diferença do ponto de ebulição de cada fracção. Isto é feito ao aquecer a mistura num pote de alambique, assim as frações que constituem a mistura, começam a evaporar, estes são conduzidos pelo pescoço de cisne, ao condensador onde eles são arrefecidos na serpentina e revertidos ao seu estado liquido. A evaporação do Etanol processa-se a 78.3ºC e a água a partir dos 100ºC, contudo a mistura dos dois componentes, evapora entre 78.3ºC e 100ºC. As substâncias mais voláteis ou as fracções com baixo ponto de ebulição tem tendência a evaporar primeiro de modo que os vapores resultantes serão mais enriquecidos com esses componentes com baixo ponto de ebulição, um produto fermentado, pode ter na sua composição etanol, metanol acetona, outros álcoois, vários esteres, água e furfuróis, destes os componentes mais voláteis como a acetona, metanol e os esteres são indesejáveis. Assim o ato de se desprezar a primeira parte do destilado tem bastante significado pois desta maneira retiramos o metanol. Normalmente separam-se os primeiros 100 ml por cada 20 litros de destilado quando usamos um alambique tradicional. O resultado obtido na destilação é dividido em três partes separadas de acordo com a seguinte ordem: cabeça, coração e cauda. A mais desejada e melhor parte da destilação é obtida a partir do coração. Os pontos de corte têm de ser estipulados entre a cabeça, coração e cauda. Assim, a arte de saber destilar reside em saber quando começar a recolher os corações e quando parar.

Os destiladores mais experientes usam os seus sentidos para determinar os pontos de corte, através do cheiro e do sabor pois as cabeças geralmente têm um gosto apurado e um cheiro desagradável. A parte do coração (o Etanol), devem ser totalmente transparentes e sem cheiro. A cauda contem uma grande quantidade de fracções com elevados pontos de ebulição, assim como vários álcoois e furfurois. Esta mistura pode estragar o sabor do destilado se a recolha é continuada durante muito tempo. O ponto de corte para a cauda pode ser identificados pelo sabor pelo cheiro e pela cor esbranquiçada do destilado pode levar a cabo esta função recolhendo um pouco do destilado com uma colher e verificar o sabor e a a aparência, geralmente a cauda é guardada para se incluir no próximo grupo, como uma quantia considerável de álcool etanol ainda poderá ser recolhido. A definição dos pontos de corte é baseada na temperatura ou com a utilização de um alcoómetro. Com a verificação das temperaturas não é a maneira mais exata de verificar os pontos de corte, contudo ajuda muito na determinação do fim da destilação, por exemplo quando a temperatura do vapor alcança os 98ºC grande parte do álcool já foi destilada e torna-se desnecessário continuar o processo de destilação. A percentagem á qual fazemos o corte, depende do perfil do sabor que o destilador quiser obter, e o género produto destilado. Como regra para a fruta fermentada, o ponto de corte para a cauda deve ser de 25 % de álcool e para fermentados à base de cereais, 18%. Estes valores são meramente indicativos cabendo ao destilador ajustar os valores para obter o sabor desejado. Geralmente são efectuadas duas destilações para purificar os resultados da destilação e aumentar a percentagem de álcool a segunda destilação pode também concentrar ainda mais o sabor, na segunda destilação o ponto de corte para a fruta fermentada poderá ser feito a partir de 60% no caso dos cereais o ponto de corte deverá ser estabelecido nos 58% acima.
Copper Crafts

domingo, 21 de agosto de 2011

Cachaça, uma bebida de respeito

Com 1,3 bilhão de litros produzidos ao ano, atrás apenas da cerveja, a cachaça é personagem do folclore, da música, da literatura, da civilização brasileira, enfim (Jornal UNESP)

Com a marvada pinga é que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali não saio
Ali mesmo eu bebo, ali mesmo eu caio
Só pra carregá é que eu dou trabaio, oi lá
(Clássico do cancioneiro popular brasileiro, 
de autoria desconhecida)

Por Evanildo da Silveira

Embora a marvada pinga atrapalhe muita gente, ela também é, pode-se dizer, um personagem da história do povo brasileiro. Surgida praticamente junto com o País, no início a cachaça era bebida de animais e escravos. Aos poucos, no entanto, deixou a senzala e entrou na casa grande e, daí, nas bodegas e nos salões. Atingiu o ápice do prestígio no século XIX, quando se transformou em símbolo da brasilidade: deixar de bebê-la era considerado uma atitude antipatriótica. Explica-se. O Brasil vivia o período das lutas da Independência, como a Revolução Pernambucana de 1817, e erguer brindes com vinho ou outra bebida qualquer era considerado um alinhamento com os portugueses.

Hoje, o Brasil produz oficialmente 1,3 bilhão de litros de aguardente por ano, que é a segunda bebida mais consumida do país — cerca de 7 litros per capita, por ano —, atrás apenas da cerveja, e o destilado mais bebido do mundo, à frente até mesmo do uísque. "O brasileiro bebe muita cachaça", constata Paulo Alves de Lima, do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, câmpus de Araraquara. "Ela faz parte da vida do brasileiro. É personagem do folclore, da música, da literatura, da civilização brasileira, enfim."

O que Lima fala está embasado numa ampla pesquisa bibliográfica, que ele realizou, com a ajuda de três universitários, sobre a história da alimentação brasileira. O trabalho serviu de base para que o cineasta Ricardo Miranda fizesse o roteiro da série Mesa Brasileira, um conjunto de 10 documentários tendo como tema central a cultura brasileira a partir da culinária. Embora possa parecer estranho, a cachaça também já serviu de alimento. Ela fazia parte da ração dos escravos: os senhores de engenho, principalmente do Nordeste, costumavam dar pinga a eles na primeira refeição do dia, para que pudessem suportar melhor o árduo trabalho nos canaviais.

BORRA DE AÇÚCAR

A cachaça, pinga, aguardente de cana ou caninha (leia quadro abaixo), é uma bebida genuinamente brasileira. Chegou com a colonização. "Nossas primeiras aguardentes foram obtidas a partir da borra de açúcar, o resíduo dos engenhos aqui instalados a partir de 1537", conta o químico João Bosco Faria, do Departamento de Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP, câmpus de Araraquara. "Após a fermentação desse resíduo, hoje denominado melaço, e destilação em alambiques improvisados, os colonizadores portugueses, utilizando a técnica de produção da bagaceira — aguardente feita a partir do resíduo do vinho — criaram nossa primeira aguardente, a cachaça." Faria sabe do que está falando. Ele é um estudioso da cachaça, com oito trabalhos e duas teses sobre o assunto. Uma delas lhe rendeu inclusive uma patente. "Patenteei um dispositivo que elimina o cobre que contamina a pinga feita em alambiques", conta.

O primeiro registro da palavra "cachaça" no Brasil data da época em que Maurício de Nassau governava o Nordeste (1637-1644) e deve-se ao naturalista alemão Georg Marcgrave. Ao descrever a fabricação de açúcar em Pernambuco, ele anota, em 1640: "A primeira caldeira é chamada pelos portugueses ‘caldeira de mear descumos’, na qual o caldo é sujeito à ação de um fogo lento, sempre movido e purgado por uma grande colher de cobre chamada ‘escumadeira’, até que fique bem escumado e purificado. A escuma é recebida numa canoa, posta embaixo, chamada ‘tanque’, e assim também a cachaça, a qual serve de bebida para os burros".

Aos poucos, a qualidade da cachaça foi sendo aprimorada e deixou de ser bebida apenas de escravos e burros. Atraiu cada vez mais consumidores e passou a ter importância econômica para o Brasil Colônia, contrariando os interesses de Portugal. "À corte interessava exportar os vinhos e a bagaceira produzida lá", explica Lima. "Os brasileiros e os colonizadores portugueses aqui instalados queriam produzir e exportar a cachaça. Por isso, durante os séculos XVI e XVII houve um tenso conflito de interesses entre corte e colônia."

RESISTÊNCIA NACIONAL

De acordo com a engenheira agrônoma Márcia Justino Rossini Mutton, do Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, câmpus de Jaboticabal, nesse contexto a aguardente chegou até a ser empregada como instrumento de resistência nacional, contra a colonização e o imperialismo português. "Ela foi, por exemplo, a bebida da Revolução Pernambucana e da Inconfidência Mineira, contra o vinho importado da Europa", conta. "Fato semelhante é atribuído ao brinde feito com aguardente por D. Pedro I após a Independência, numa época em que se valorizava tudo o que vinha de fora. O mesmo fato se repetiu por ocasião da Comemoração dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso brindou, com o presidente de Portugal, com uma taça de aguardente purinha e gelada."

A corte, por sua vez, diante da crescente importância econômica da cachaça para o Brasil, tentou impor seus interesses pela força. Fez várias tentativas de proibir a produção e o comércio da bebida nos seus territórios coloniais. Em 1635, proibiu a venda da bebida na Bahia e, em 1639, tentou pela primeira vez impedir sua fabricação. Vãs tentativas. "A partir daí, a aguardente começou a ser uma mercadoria de grande importância para o comércio externo", conta Lima. "Ao lado do tabaco e dos tecidos, ela servia de moeda no comércio de escravos". Assim, quando a corte portuguesa transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1808, ela já era considerada um dos principais produtos da economia brasileira e a bebida da terra.

8º DRINQUE DO MUNDO

Hoje, a aguardente de cana continua sendo produzida e consumida no País, mas está longe de ter a importância econômica da época do Brasil Colônia em termos de geração de divisas. Sua participação na pauta de exportações brasileira é insignificante. "Do 1,3 bilhão de litros que produzimos, apenas 6 milhões foram exportados em 1999, representando 7,3 milhões de dólares em divisas", informa Márcia. "Sabe-se que há um espaço, a ser preenchido com a cachaça. Este, aliás, é o objetivo do Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Aguardente de Cana, Caninha ou Cachaça (PBDAC). A meta é alcançar exportações de 100 milhões de dólares."

Esse programa foi criado há dois anos, pela Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), para analisar e propor soluções para os principais problemas do setor aguardenteiro. Até agora, a ação do PBDAC tem sido bem-sucedida. Nesses dois anos, seus idealizadores conseguiram tornar a cachaça um dos itens do Programa Especial de Exportação (PEE) do governo federal. Para continuar promovendo e valorizando esta bebida, o PBDAC já tem programadas para este ano participações em diversas feiras internacionais, além de cursos de capacitação técnico-comercial para os produtores e pessoas ligadas ao setor.

A julgar pela aceitação que a aguardente tem em outros países, o trabalho do PBDAC tem tudo para dar certo. É mais fácil convencer os estrangeiros de que a cachaça é uma bebida que merece respeito do que os brasileiros. Por ter sua origem ligada à escravidão, beber cachaça nunca foi um hábito bem visto no Brasil. "Entre os europeus, no entanto, nossa aguardente é uma bebida muito valorizada", diz Márcia. "Na Alemanha, por exemplo, uma boa caipirinha chega a custar 18 dólares." Preço nada supreendente se se considerar que, numa pesquisa recente, feita entre barmans do mundo inteiro, a brasileiríssima caipirinha foi eleita o 8º drinque mais conhecido e consumido do mundo.

Talvez esteja ocorrendo com a aguardente algo semelhante ao que aconteceu com a tequila, no México. "No início, era bebida apenas por índios", lembra Márcia. "A partir de um programa desenvolvido com o propósito de divulgar e valorizar a bebida nacional, por meio de um amplo trabalho de marketing, informação e conscientização da população, hoje essa bebida é motivo de orgulho para o povo mexicano. O mesmo pode se dizer do uísque para o escocês, do vinho para o francês e da grapa para o italiano." Pode ser que demore, mas os que lutam pela valorização dessa bebida, brasileira por excelência, têm certeza que chegará o dia em que dar um taio na marvada terá o mesmo prestígio que brindar com um Romanée-Conti ou degustar um Chivas Regal 12 anos.

Caninha pura, direto do coração


Na destilação, despreza-se a cabeça e a cauda, responsável pela ressaca

Na boca do povo nunca houve diferença entre cachaça, pinga ou caninha. São apenas nomes diferentes para a mesma bebida. Até recentemente, para a lei não era assim. "Até setembro de 1997, a legislação brasileira definia cachaça como ‘aguardente obtida pela destilação do mosto de melaço fermentado, a principal matéria-prima do rum’", explica o químico João Bosco Faria, do Departamento de Química do câmpus de Araraquara. "Portanto, até então, a única diferença entre a cachaça e o rum relacionava-se com o processo de envelhecimento, que no caso do rum era obrigatório."

O que se sabe é que há várias versões para a origem da palavra "cachaça". Uma delas aponta em direção ao termo ibérico cachazza, que designava um tipo de vinho barato muito consumido em Portugal e Espanha. "Outra hipótese considera que ela possa ter vindo do termo que designava a fêmea do cachaço, um porco selvagem cujas carnes duras eram amaciadas com a aguardente."

De acordo com Faria, a partir da mudança contida no decreto 2.314 de setembro de 1997, o termo "cachaça" passou a ser sinônimo de caninha ou pinga e, desde então, define a aguardente obtida pela destilação do caldo de cana fermentado e não mais do melaço, sendo agora uma bebida distinta do rum. Melaço é o resíduo do processo de fabricação do açúcar. Como a demanda por aguardente hoje é muito maior do que a quantidade que se poderia obter a partir do melaço, passou-se a fabricá-la diretamente a partir do caldo de cana fermentado, acrescido de vários ingredientes.

PINGA, PINGA, PINGA

Depois desses acréscimos, o caldo passa a se chamar mosto. "Que nada mais é que o caldo de cana corrigido quanto aos teores de açúcares, nutrientes e temperatura", explica a engenheira agrônoma Márcia Justino Rossini Mutton, do câmpus da UNESP de Jaboticabal, uma estudiosa do assunto. "Nos pequenos engenhos, após essas correções, costuma-se acrescentar fubá, farelo de arroz, quirera de milho cru ou torrado, bolacha esfarelada, suco de limão, entre outras coisas."

Uma série de microrganismos transformam esse mosto, rico em açúcares, em álcool, gás carbônico e outros compostos (ésteres, aldeídos e ácidos), dando origem a um composto chamado vinho. "Esse vinho, por sua vez, é destilado em alambiques, grandes recepientes feitos de cobre", explica Faria. "Aquecido a temperaturas que podem chegar a 300 ºC, as frações alcoólicas desse vinho se volatilizam. Em forma de vapor, passam pelo capitel, pelo tubo condensador e por uma serpentina, onde se condensam, voltando à forma líquida, agora já como pinga, chamada assim porque, literalmente, pinga na saída da serpentina."

No caso das grandes indústrias, o processo de produção é um pouco diferente. O vinho é levado para o processo de destilação, que é realizado em aparelhos denominados colunas ou troncos de destilação. Estes funcionam de modo contínuo e são aquecidos a vapor. "A aguardente obtida nas colunas de destilação pode ser considerada tão boa ou de melhor qualidade que as obtidas nos aparelhos descontínuos, como os alambiques, dependendo do tipo de projeto e condução do mesmo", explica Márcia. "Existem diferenças quanto ao desenho e execução do processo em unidades de produção de tamanhos variados, o que implica a utilização de técnicas também mais adequadas, mas isso não compromete a qualidade do produto final. Tem-se bebidas de boa qualidade obtidas tanto de pequenas, quanto de médias e grandes unidades de produção."

Independentemente do processo de produção empregado ou do tamanho da "fábrica", no entanto, uma regra todos têm de cumprir: no processo de destilação é preciso separar cabeça, coração e cauda. "Cabeça são os primeiros 7,5% do volume do destilado inicial, que é rico em substâncias mais voláteis que o álcool, como o metanol, que é mortal para o ser humano", explica Faria. "Também descarta-se a fração final, de 7,5%, denominada cauda, constituída por compostos de peso molecular mais elevado que o do etanol, responsáveis pela dor de cabeça da ressaca. O que se aproveita são os 85% restantes, parte denominada coração, que é a cachaça propriamente dita."

Jornal UNESP