Foi realizado no dia 29 de outubro no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Qualidade da Cachaça localizado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da NESP/Araraquara o VI encontro da cadeia produtiva da cachaça e também a premiação do VII Concurso de Cachaça de Alambique.
Aproximadamente 60 produtores participaram do evento, sendo que os profissionais tiveram, durante todo o dia, palestras sobres os mais variados temas, desde a fermentação do caldo de cana, passando pela destilação da aguardente de cana e o envelhecimento de cachaça. Foram também abordados questões sobre Boas Práticas de Fabricação para Engenhos e também foi apresentado durante o evento o projeto de extensão desenvolvido pela UNESP e voltado para pequenos produtores de cachaça, sendo na ocasião mostrado os principais resultados e discutido um cronograma de atividades para o ano de 2012. Além das atividades teóricas foi feita uma atividade prática dentro do engenho piloto no centro da cachaça, onde os produtores tiveram acesso ao processo de destilação da aguardente de cana de açúcar.
No final do dia foi feita a cerimônia de premiação do VII Concurso de Cachaça de Alambique, sendo os 3 primeiros colocados de cada categoria agraciados com um troféu e certificado de participação, além da disponibilização por parte do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP/Araraquara de um selo de qualidade a ser utilizado caso o produtor queira.
10 primeiros colocados no VII Concurso de Cachaça de Alambique
Classificação Descansada
1 Lagoa
2 Senhora
3 Mandaguahy
4 Força Oculta
5 Barra Grande
6 Chora Menina
7 Morano
8 Jóse Vieira
9 Engenho São Luiz
10 Do Santo
Classificação Envelhecida
1 Zé da Varge - Umburana
2 Pequeno Engenho - Tatajuba
3 Sabor da Estância - Carvalho Premium
4 Lagoa - Carvalho
5 Mazzaropi - Carvalho
6 Nono Rouxinolli - Carvalho
7 Sorocabana - Carvalho
8 Pequeno Engenho - Carvalho
9 Mazzaropi - Umburana
10 Zé da Varge - Carvalho
Blog que tem o objetivo de reunir informações interessantes a respeito da cachaça artesanal paulista, licores, bebidas destiladas, gastronomia e outras relacionadas.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
domingo, 6 de novembro de 2011
Da fabricação de aguardente nos anos 1800 – Os alambiques do século XIX
Aliança Brasileira de Cooperação para Divulgação de Obras em Domínio Público
Como se trabalha na fábrica da aguardente.
Todos os Mestres de aguardente sabem, que hum liquido doce fermenta, que esta fermentação o faz vinhoso, e que este vinho destilado, produz aguardente, em maior, ou menor quantidade, segundo o gráo de doçura, que em si contém este liquido. Segundo este principio, a cachassa, ou fezes do caldo da Canna; as espumas da caldeira, e tachas, que são materias por si bastantemente doces, são recebidas em parois; e como levão comsigo muito caldo de Canna puro, tem bastante fluidez, para que, cheio o parol, entre logo em fermentação.
Estes parois, ou especies de tanques são cavados n’hum grosso madeiro, e ficão quasi hum, palmo por encher.
Geralmente são descubertos; e alguma excepção que há, com esteiras he, que lhe tirão a maior communicação com o ár. Assim que a fermentação se estabelece, o movimento, que em si faz o liquido, com hum certo zunido, faz subir á superficie, huma côdea de materias impuras, que vai engrossando cada vez mais; porém abre-se de vez em quando, para dar passagem ao gás, ou ár fixo, que se desprende, e foge do mesmo liquido em fermentação. Quando o zunido cessa, e que a costra se desfaz, e mistura com o vinho, que neste estado toma o nome de guarápa, he o ponto, para passar ao alambique.
Alguns esperão ainda, que huma luz se não apague no vão, que occupa o gás, da superficie do liquido á borda do parol. Não havendo mais cachassa, [64]misturão huma terça parte de mel com duas de agua, para se seguir o mesmo effeito; ou misturão mel, cachassa, e agua, porque estas cousas em si são indifferentes, e seguem-se os mesmos effeitos. Se succede algumas vezes estar a guarápa em ponto, e o alambique occupado, deitão agua na guarápa, para não passar, segundo dizem, e quando há occasião, vai para o alambique.
Nestes alambiques não há regra, cada hum tem os seus; porém nas fábricas mais modernas, o commum he, sèrem os chamados, tromba de elephante. Recebem o fogo pelo fundo, até huma terça parte da altura da cucurbita, ou caldeira; outros recebem pelo fundo, e pelas paredes, onde se pratica huma espiral, que acaba na chaminé. Todos tem serpentina de cobre, e já vi alguma de estanho, e nada de refrigerante. O primeiro liquido, que sahe pela serpentina, que he fleuma, he lançado fóra; e assim que principia a correr o espirito, vai para o recipiente, a que chamão balsa; esta cheia, he levada para a pipa, ou tonel.
A serpentina, que he huma espiral de quatro, cinco voltas, está firme n’huma grande tina cheia de agua, sempre quente, devendo ser bem fria.
Todo este trabalho he feito sem principios; se alguns se gabão de fazer muita aguardente, não he, porque saibão aproveitar, sim porque he feita á custa do Assucar.
Principios, que devem conduzir o Mestre Aguardenteiro.
He efficazmente demonstrado, que só a parte doce, ou assucarada de qualquer liquido, he que pela fermentação se póde mudar em vinho, de que se tira o espirito ardente. Esta mudança, que a fermentação faz, he em mais, ou menos tempo, segundo a densidade do liquido, quero dizer mais, ou menos assucarado.
Se he pouco doce, fermenta mais depréssa, e assim relativamente; de sorte que se chega a ter a consistencia de mel, não há fermentação, ou ao menos não he sensivel. Há tres especies de fermentação; fermentação espirituosa, fermentação acida, e fermentação podre, ou alcalina; ou antes, só há a fermentação podre, que passa pelos dois primeiros estados, de espirituosa, e acida. Quando hum liquido mucoso doce, pela fermentação se faz vinhoso, toda a parte assucarada he decomposta, e mudada em espirito.
Se não se aproveita no alambique, e passa á fermentação acida, he decomposto este vinho, e mudado em vinagre; se então vai ao alambique, sahe hum acido.
Se se deixa continuar a fermentação, e passa á alcalina, alcança o liquido hum cheiro detestavel, e pelo alambique sahe sómente alcali volatil, ou o producto das materias podres. Estas mudanças, ou decomposições, accelerão-se, ou retardão-se, segundo o maior, ou menor calor do ár, que he o principal agente da fermentação.
No gráo de frio, que géla a agua, não há [66]fermentação, ou ao menos não he sensivel; e o mesmo succede n’hum gráo de calor de sessenta gráos para cima, do thermometro de Reaumur, quero dizer, que a mão não póde supportar. Quando o calor da atmosphera, ou do lugar, onde se faz a fermentação, chega a dez gráos do mesmo thermometro, ella se estabelece, e se augmenta cada vez mais até aos trinta e cinco, que he o maximum; de trinta e cinco para cima, entra a enfraquecer proporcionalmente, até aos sessenta em que pára. Estes sessenta gráos para a fermentação são iguaes ao zero, ou gèlo de Reaumur. Nunca o gráo do frio no Rio de Janeiro póde impedir a fermentação, por ser o calor da atmosphera, de vinte a trinta gráos; e são raros os dias no Inverno, onde chega a quatorze, e nunca menos. Quando hum liquido entra em fermentação espirituosa, não a soffre ao mesmo tempo em toda a sua massa; já algumas partes tem fermentado, e vão passando a acidas, quando outras ainda não principiárão; o que faz precisar hum fermento, que excite o movimento em todas as suas partes, ao mesmo tempo.
Este fermento, a natureza o dá na espuma, e costra, que se fórma sobre hum primeiro liquido, que fermentou, que mesmo se póde desseccar para o uso.
Ajudando o calor da atmosphera tão poderosamente a fermentação, deve o Mestre Aguardenteiro impedir, quanto lhe for possivel, que com o gás, que se desprende do liquido, se não dissipem partes espirituosas; para o que ha de conservar os vasos, onde ella se faz, com pouca communicação com o ár; e em lugar de cochos, e abertos, sirva-se de pipas, e ainda melhor de dornas, com o [67]fundo largo, a boca estreita, com sua tampa, e nella hum pequeno furo, e de grandeza proporcionada aos alambiques. Deve ter tambem o maior cuidado, em determinar o seu trabalho de sorte, que não tenha mais guarápa que destilar, que os alambiques não possão vencer; e que he melhor, que estes esperem, que aquella, por não haver meio de impedir a sua depravação.
O ponto principal, donde depende toda a felicidade, ou o maior producto possivel da fermentação espirituosa, he, o saber conhecer precisamente o instante, em que a guarápa deve passar ao alambique. O signal infallivel, que designa este instante, foi descuberto por M. Gentil, Prior de Fontenet, e membro de muitas Academias, «O sabor, diz este grande homem, he huma qualidade, que he o objecto do gosto, e este sentido não póde enganar-se entre o sabor vinhoso, e o sabor assucarado; e como o cheiro vinhoso acompanha sempre o sabor vinhoso, he impossivel errar sobre a relação destes dois sentidos. Não he preciso suppôr estes sentidos bem delicados, e bem exquisitos, nem hum grande discernimento para fazer a distincção; todo o homem organisado, como o commum dos homens, distinguirá o sabor vinhoso, do sabor assucarado, com tanta facilidade, quanta poderia distinguir a côr vermelha, da côr verde…. O signal determinado, e infallivel, que designa de huma maneira invariavel, o momento, em o qual, a fermentação tem chegado ao gráo preciso, e a que he unida a maior perfeição de vinho; o momento, no qual o vinho não he assàs feito, e depois do qual vem a ser aspero, grosseiro; he o momento mesmo, onde, depois de muitas degustações [68]successivas, nas quaes temos sentido a diminuição do sabor assucarado. Este sabor, depois de se ter enfraquecido gradualmente, desaparece subitamente; então he o signal preciso, fixo, e seguro para se tirar o vinho da dorna: isto he huma ordem irrevogavel, que a natureza prescreve á arte, e que signala o momento fatal, a que he unida a perfeição deste liquor…. Fura-se a dorna no meio da altura, que occupa o liquor, e tapa-se com hum pequeno torno; logo, que a fermentação se estabelece, tira-se o torno, e deixa-se correr o liquor n’hum pequeno copo para o provar. Assim, que se percebe huma diminuição, marcada no sabor assucarado, e huma augmentação no sabor vinhoso, que são inseparaveis, deve haver cuidado na dorna, fazer a prova com frequencia, ter os vasos promptos para receber o liquor; e se o signal aparece no meio da noite, não differir para o outro dia o aproveitallo; esta noite segura huma recompensa, que deve fazer esquecer a necessidade do repouso. Este signal commum, he proporcionado á intelligencia de todos; he ainda identico, e invariavel, para hum mosto de excellente qualidade, como da mais mediocre; para huma grande quantidade de liquido, como para huma pequena; para huma fermentação viva, forte, tumultuosa, e prompta, como para huma fraca, lenta, etc. Ou seja o calor do ár proporcionado, ou intenso, sempre he o mesmo; he preciso sómente, se a fermentação tem sido mui rapida, ter mais cuidado na dorna, porque chega mais depréssa ao ponto, e he de maior prejuiso á passagem.»
Até aqui M. Gentil. Quando a guarápa indica este ponto, a costra, que a fermentação produzio, [69]está sobre ella; no tempo que gasta a desfazer-se, misturar-se com o vinho, dissipar-se o gás, que a sobrenadava para não apagar a luz, tem-se evaporado muito espirito, e outro tem passado a acido, pela fermentação acetosa, que immediatamente segue a espirituosa, porque a natureza não pára hum instante; e daqui se póde inferir, o quanto se perde, pela fórma de tomar o ponto, no estado actual.
Depois da boa fermentação com o seu ponto tomado a tempo, nada concorre tanto para huma boa distilação, como a abundancia de agua, na casa d’aguardente.
Se no refrigerante não corre sempre agua fria, para a condensação do vapor, e na tina da serpentina, para fazer cahir frio o liquor no recipiente, há huma diminuição incalculavel, na quantidade, e qualidade d’aguardente.
A falta de principios, nos fabricantes deste genero, não lhe deixa conhecer esta perda, porque lhe não he sensivel á simples vista. Olha-se com tanta indifferença para este objecto, que eu já vi n’huma fábrica, cujo dono não passa por ignorante, querer hum individuo tomar banho com a agua da tina da serpentina, suppondo-a fria, ou ao menos tepida; e, tirando a torneira, para lhe cahir no corpo, estava tão quente, que quasi levantou vessiculas. Considere-se, quanto espirito se dissiparia, sendo refrescado com agua neste estado.
Se o engenho he de agua, tem a tina da serpentina sua bica, porém tão pequena, que eu nunca vi, que a aguardente deixasse de correr com quentura. Á excepção de alguns engenhos, que tem ao pé huma pequena fonte, o commum he, [70]o ser a agua carregada ás costas, e ás vezes de bem longe. Era natural a lembrança de mandar abrir hum pôço, e com huma bomba tirar a agua que se precisasse, principalmente neste paiz, onde em menos de vinte palmos se acha a quantidade que se quer, porém só tenho visto hum; quando a despesa, que com elle se fizesse, bem paga ficava na primeira safra.
O que se vai dizer sobre o gráo de calor para a distilação, he theoria de Macquer, sobre a dos espiritos ardentes.
He huma verdade chymica, que a quantidade de fogo para a distilação, deve ser em razão da coherencia, ou apêgo das partes, que se querem fazer evaporar, aquellas, que são compostas de principios mais fixos.
Se se expõem á acção do fogo, compostos, que contenhão principios volateis, e principios fixos; os primeiros, rarificados pelo calor, procurárão separar-se dos segundos; e se o esforço que para isto fizerem, for superior ao seu apêgo, a separação terá lugar, e a evaporação se fará. Se se querem distilar substancias mui compostas, mui capazes de ser alteradas pelo calor, e que contenhão principios da maior volatilidade, taes como são muitas plantas cheirosas, os liquores espirituosos, e outros desta natureza, he preciso usar do alambique guarnecido de hum banho de maria, quero dizer, que o alambique não receba mais calor, que o que póde communicar-lhe hum vaso com agua fervendo, sobre a qual se assenta o mesmo alambique. Como na distilação que se faz no alambique, os vapores dos corpos volateis sobem verticalmente, e se condensão na sua parte superior, ou capello, esta sorte de distilação tem sido [71]chamada per ascensum. Podem fazer-se distilar mui commodamente desta sorte, todas as materias bem volateis, que possão subir ao gráo de calor, que não exceda o da agua fervendo; taes são os espiritos rectores, o espirito ardente, a agua, e todos os oleos essenciaes, etc.
O que se passa na distilação em geral, he mui simples, e mui facil de conceber. As substancias volateis, se fazem especificamente mais ligeiras, quando soffrem hum gráo de calor conveniente, reduzem-se em vapores, e se dissiparião debaxo desta fórma, se não fossem retidas, e determinadas a passar a lugares mais frios, onde se condensão, e tomão a fórma de liquores, se são dessa natureza. Como a distilação se faz sempre em vasos fechados, falta o concurso do ár exterior ás materias, que se levantão nesta operação, o qual he com tudo muito proprio para augmentar, e accelerar a subida dos corpos volateis. Mas póde-se dizer, que esta lentura, occasionada pelo defeito do ár, he antes util, que desavantajosa; porque em geral, quanto mais huma substancia volatil, que se separa da outra substancia mais fixa, se separa com lentura, tanto mais esta separação he exacta.
Por esta razão, quando se quer distilar, segundo as regras d’Arte, se he obrigado a conduzir a distilação de sorte, que a substancia volatil soffra só o gráo de calor necessario para a separar; e isto he sobre tudo indispensavel; quando não há grande differença no gráo de volatilidade dos principios dos corpos, que se querem decompôr pela distilação. Póde-se estabelecer, como regras geraes, e essenciaes á distilação; que se deve sómente applicar o gráo de calor necessario, para fazer [72]subir as substancias, que se devem destilar; e que a lentura he tão vantajosa, quanto a precipitação he prejudicial nesta operação, etc.
Comparando o que diz este grande Chymico, com a quantidade de fogo, que se atêa na fornalha do alambique, para distilar aguardente, parece impossivel, que entre tantos distiladores no Brasil, não houvesse ainda hum, que, abrindo os olhos da rasão, e guiando-se por ella, se afastasse da trilha dos mais, o que augmentaria consideravelmente a quantidade, e qualidade deste genero, sem ser á custa do Assucar, nem com a perda de huma immensidade de lenha. A fornalha, que se propõem desenhada na Estampa VII., he a do mesmo Macquer, adoptada a esta manufactura.
Communica-se ao cinzeiro, por hum buraco de seis pollegadas de comprido, e duas de largo. O vão da chaminé, he de quatro pollegadas em quadro; a boca da fornalha tem hum palmo em quadro, e sua porta de ferro.
Na Estampa tem as paredes dos lados abatidas, para se ver a construcção por dentro, e o petipé faz conhecer as suas dimensões. O fogo se entretem, e modera da mesma sorte, que no bangué do Assucar.
Discurso sobre o alambique
Naõ há instrumento chymico, em que se tenha tanto trabalhado, como no alambique. Grandes homens tem buscado em todos os tempos a sua perfeição, e continuar-se ainda hoje este trabalho, prova que ainda não se achou. Parecerá temeridade, o arriscar eu as minhas idéas, depois dos maiores Chymicos terem fallado; porém lembra-me, que hum grande homem póde procurar huma cousa, e não a achar, e hum rustico, ou outro de intelligencia mui limitada, vêla. Tem-se usado de refrigerantes, e vio-se, que quando a agua desta bacia era fria, parava a distilação, e que só se restabelecia, quando alcançava huma certa quentura.
A rasão convincente deste facto he, que os vapores subindo á superficie interna do capello, e condensando-se repentinamente pela frieza, engrossavão muito, e pelo seu pêso cahião em gottas na superficie do liquido; e que a agua hum tanto quente, impedindo esta condensação tão prompta, permittia, que os vapores menos engrossados, se encaminhassem ao canal praticado na circumferencia do mesmo capello, para sahirem pelo seu bico.
Daqui se concluio, que os refrigerantes erão inuteis. Entrão agora as theorias. Huns, crendo, que a condensação se fazia na serpentina, fazem subir a ella o vapor por hum gargalo, em fórma de tromba de elephante; outros modificão esta especie de tromba, e dão hum grande diametro á caldeira do alambique, com mui pouca altura; e[74]fazem principiar a serpentina com hum grande diametro, e acabar n’hum mui pequeno; outros, em fim, augmentão a superficie do capello; porém he geral em todos, o fazerem hum pescoço á caldeira, maior, ou menor, segundo a sua fantazia, e só Chaptal quer, que a caldeira seja hum cilindro perfeito, porém nada de refrigerante. Todos estes alambiques obrão com maior, ou menor proveito; e eu tenho visto distilar sem refrigerante, nem serpentina, o que me prova, que o contacto do ár no capello do alambique, tem bastante força para condensar o vapor; não se aproveita tanto, como com a serpentina, porém he pela dissipação do liquor, por sahir mui quente do bico do alambique. Sendo a evaporação em razão da superficie, e subindo os vapores perpendiculares, de que ninguem duvida, só Chaptal acertou, tirando o pescoço á sua caldeira, e fazendo-a cilindrica; porque a abobada abatida, que nasce das paredes da caldeira, até onde fórma o pescoço, exposta ao contacto do ár, condensa o vapor que nella toca, e a unica sahida que tem, he tornar para a caldeira; he por consequencia preciso mais tempo, e maior fogo, para que o vapor se enfie por este pescoço, segundo a maior, ou menor superficie que o ár toca, e o maior, ou menor diametro do pescoço, mais, ou menos longitude da superficie, onde se faz a evaporação, á parte onde, condensando-se, póde encaminhar-se á serpentina. O refrigerante he preciso, e indispensavel para huma boa distilação. Se a frieza da agua condensa mui promptamente o vapor, e as gôttas engrossadas são precipitadas na caldeira pelo seu pêso, he porque a abobada do capello, sendo muito abatida, não lhe dá huma facil correntesa; a que [75]eu tenho visto mais levantada, he a do capello de Baumé, que faz hum angulo de cincoenta gráos; ora hum angulo de cincoenta gráos facilita tanto a cahida, como a correntesa; ha de correr, e cahir indistinctamente; porém se este angulo for de sessenta e cinco gráos, por mais grossas que sejão as gôttas, tem mais facilidade para correr, que para cahir, e por consequencia, quanto vapor subir, tanto se aproveitará.
A caldeira do alambique, que se propoem, he hum cilindro de quatro palmos de altura, e quatro de diametro. O capello, que he de figura conica, deve ter de altura o diametro da sua base, tirado da superficie externa do canal, ou goteira, que acaba no bico, para fazer hum angulo de sessenta e cinco gráos.
Este capello deve ser de estanho puro, porque o espirito come o cobre; e para ficar mais barato, e mais duravel, póde ser o estanho ligado em partes iguaes com o zinco. Proximo á sua base, tem hum tubo de pollegada e meia de diametro, que huma tampa do mesmo metal fecha em rosca, pelo qual se introduz na caldeira o vinho para distilar; e he cercado de huma chapa de cobre, soldada na circumferencia, na parte, onde principia o calor, que se ha de introduzir na caldeira; cuja chapa fórma hum cilindro da altura do cone, e serve de bacia, para conter a agua que esfria o capello, onde se condensa o vapor, e o canal, que o conduz ao bico. Esta bacia, ou refrigerante, tem n’huma das paredes, proximo á sua base, hum pequeno tubo de pollegada de diametro, para dar sahida á agua, que continuadamente deve correr sobre a ponta do cone; e tambem dá passagem ao tubo, por onde se carrega de [76]vinho a caldeira do alambique. A caldeira tem seu tubo de descarga, para sahirem as fézes depois da distilação, cujo tubo deve fechar em rosca na caldeira, para, no caso de ser preciso tiralla, não desmanchar a parede da fornalha; porém que o tape hum simples torno. A. Veja-se a Estampa VII. Fig. I. A serpentina de oito linhas de diametro, em espiral de oito voltas. Eu não posso comprehender as rasões que se dão, para ella principiar com hum grande diametro, e acabar n’hum tão pequeno; creio, que a condensação do vapor se faz no capello, que a frieza d’agua, batendo nelle, a favorece prodigiosamente, e que a serpentina serve só de refrescar o liquor, para cahir frio no recipiente; ora este effeito consegue-se melhor com o pequeno, que com o grande diametro; porque a agua tem huma pequena columna de ár que esfriar, e toca o liquor de mais perto em todas as partes do canal. Se dou quatro palmos de diametro á caldeira do alambique, he para que o seu fundo seja de huma chapa de cobre inteira, e sem emendas; a altura, qualquer que seja o diametro, nunca deve passar de quatro palmos. Tambem, se o diametro for muito grande, fica incommodo o capello, por ser preciso levantar o cone em proporção: e eu não conheço fábrica, que, trabalhando bem, possa occupar sempre dois alambiques assim construidos.
Os alambiques, que contém pipa e meia, e duas pipas de guarápa, servem mais de ostentação, que de utilidade; o seu rendimento em espirito, não equivale, proporção guardada, ao dos mais pequenos. A materia da serpentina, merece a maior attenção, não deve ser de cobre, nem de metal com elle ligado; o espirito corroe o cobre, [77]dissolve o zinabre, e com a aguardente se engole hum veneno; eu bem sei, que o espirito o disfarça alguma cousa, e que he em pequena quantidade respeito á sua massa; porém o ser pouco, e sem os terriveis effeitos, que causa dissolvido pelos acidos, não impede, que ataque a economia animal, e pouco a pouco a destrua. Desejava que fosse de prata pura, sem liga alguma de cobre.
Os Artistas, que trabalhão em prata, tem mais pericia que os caldeireiros; podem fazer as chapas de prata com a grossura da folha de Flandres, reforçada; e, se lhe for mais cómodo, formar a espiral em poligono de cinco, ou mais angulos; o effeito he o mesmo. Esta despesa não he tão grande, que qualquer Senhor de engenho não possa com ella, e a duração excederá á da sua vida. Talvez haverá, quem tenha esta idéa por extravagancia, que a escarneça, e teime em usar de serpentina de cobre; porém o miseravel que isto fizer, se não for por ignorancia, merece a maior compaixão, por ter huma alma gangrenada pela avareza, que lhe faz olhar com despreso, para a saude, e vida dos homens. Quizera tambem, que o recipiente fosse hum garrafão, e nada de complicações, nem torneiras de chave, faceis de desmanchar, e difficultosas de concertar, porque me lembro das pessoas, que lidão nestas fábricas.
Ordem do trabalho para fazer aguardente.
Tres quartas partes de agua, huma quarta parte de mel, são lançados na dórna, a qual deve conter sómente, tanto desta especie de mosto, quanto caiba em dois alambiques, ficando elles hum palmo por encher. Deita-se neste mosto bastantes fézes de huma fermentação antecedente, que se mistura bem com todo o liquido; tapa-se a dorna, deixando aberto o pequeno furo da tampa, para a communicação do ár, e que a mesma dórna fique ao menos dois palmos por encher. Assim que principia a fermentação, prova-se o liquor, e continua-se a prova, até chegar ao ponto determinado por M. Gentil.
Ainda que o vinho neste ponto se considere claro, e se tire por huma torneira, que a dorna tem no fundo, não deve passar ao alambique, sem que seja por hum coador, para que não vão nelle partes grosseiras; porque estas, hindo ao fundo da caldeira, e recebendo o fogo immediatamente, queimão-se, e communicão ao espirito, o empireuma, ou gosto de queimado, que he indistructivel. Já se vê, que esta dorna deve estar n’huma altura tal, que o seu vinho possa correr por huma calha, que o lança no alambique pelo tubo da sua carga; em cujo tubo está hum funil de folha proporcionado, e neste funil he, que se deve pôr o coador. Como a fermentação se fez com pouca communicação com o ár, e o gás, que se soltou, e fugio do mosto, se conserva na mesma dorna, e causa promptamente a morte a todo o animal, que o inspirar, não, porque elle em si seja veneno, [79]mas porque, sendo incompressivel, e inelastico, o afoga, assim como a agua; deve haver todo o cuidado, para prevenir qualquer funesto effeito. Antes do vinho hir para o alambique, já o refrigerante deste está cheio de agua, assim como a tina da serpentina; cuja agua continúa sempre a correr n’huma, e outra parte, e a sahir pelos seus respectivos tubos, em quanto dura a distilação. Principia esta, lançando logo bastante fogo debaxo do alambique, para sahir a fleuma, que se despreza; e assim que entra a correr o espirito, modera-se o fogo, e entretem-se sòmente o que he preciso; havendo sempre a lembrança de perder antes por menos, que por mais, e que a lentura he tão proveitosa para a quantidade, e qualidade, quanto a precipitação he prejudicial. Assim que cessa de correr o espirito, ou corre sòmente, o que se chama agua fraca, tira-se o fogo ao alambique, e descarrega-se das suas fézes pelo tubo de descarga; muda-se a bica do refrigerante, e a da tina para cahirem dentro delle, e desta sorte ser lavado; e de dia, tira-se-lhe o capello, para se fazer este beneficio mais individualmente. Não fallo nas qualidades, que deve ter a aguardente para ser perfeita, porque he desconhecido neste paiz o areometro.
A forma de a escolher, he agitalla n’hum pequeno copo, e a maior, ou menor demora da espuma, que faz, he, o que lhe mostra a bondade; e qualquer que ella seja, toda tem sahida.
Livros antigos em domínio público editados em trechos por assuntos específicos
Como se trabalha na fábrica da aguardente.
Todos os Mestres de aguardente sabem, que hum liquido doce fermenta, que esta fermentação o faz vinhoso, e que este vinho destilado, produz aguardente, em maior, ou menor quantidade, segundo o gráo de doçura, que em si contém este liquido. Segundo este principio, a cachassa, ou fezes do caldo da Canna; as espumas da caldeira, e tachas, que são materias por si bastantemente doces, são recebidas em parois; e como levão comsigo muito caldo de Canna puro, tem bastante fluidez, para que, cheio o parol, entre logo em fermentação.
Estes parois, ou especies de tanques são cavados n’hum grosso madeiro, e ficão quasi hum, palmo por encher.
Geralmente são descubertos; e alguma excepção que há, com esteiras he, que lhe tirão a maior communicação com o ár. Assim que a fermentação se estabelece, o movimento, que em si faz o liquido, com hum certo zunido, faz subir á superficie, huma côdea de materias impuras, que vai engrossando cada vez mais; porém abre-se de vez em quando, para dar passagem ao gás, ou ár fixo, que se desprende, e foge do mesmo liquido em fermentação. Quando o zunido cessa, e que a costra se desfaz, e mistura com o vinho, que neste estado toma o nome de guarápa, he o ponto, para passar ao alambique.
Alguns esperão ainda, que huma luz se não apague no vão, que occupa o gás, da superficie do liquido á borda do parol. Não havendo mais cachassa, [64]misturão huma terça parte de mel com duas de agua, para se seguir o mesmo effeito; ou misturão mel, cachassa, e agua, porque estas cousas em si são indifferentes, e seguem-se os mesmos effeitos. Se succede algumas vezes estar a guarápa em ponto, e o alambique occupado, deitão agua na guarápa, para não passar, segundo dizem, e quando há occasião, vai para o alambique.
Nestes alambiques não há regra, cada hum tem os seus; porém nas fábricas mais modernas, o commum he, sèrem os chamados, tromba de elephante. Recebem o fogo pelo fundo, até huma terça parte da altura da cucurbita, ou caldeira; outros recebem pelo fundo, e pelas paredes, onde se pratica huma espiral, que acaba na chaminé. Todos tem serpentina de cobre, e já vi alguma de estanho, e nada de refrigerante. O primeiro liquido, que sahe pela serpentina, que he fleuma, he lançado fóra; e assim que principia a correr o espirito, vai para o recipiente, a que chamão balsa; esta cheia, he levada para a pipa, ou tonel.
A serpentina, que he huma espiral de quatro, cinco voltas, está firme n’huma grande tina cheia de agua, sempre quente, devendo ser bem fria.
Todo este trabalho he feito sem principios; se alguns se gabão de fazer muita aguardente, não he, porque saibão aproveitar, sim porque he feita á custa do Assucar.
Principios, que devem conduzir o Mestre Aguardenteiro.
He efficazmente demonstrado, que só a parte doce, ou assucarada de qualquer liquido, he que pela fermentação se póde mudar em vinho, de que se tira o espirito ardente. Esta mudança, que a fermentação faz, he em mais, ou menos tempo, segundo a densidade do liquido, quero dizer mais, ou menos assucarado.
Se he pouco doce, fermenta mais depréssa, e assim relativamente; de sorte que se chega a ter a consistencia de mel, não há fermentação, ou ao menos não he sensivel. Há tres especies de fermentação; fermentação espirituosa, fermentação acida, e fermentação podre, ou alcalina; ou antes, só há a fermentação podre, que passa pelos dois primeiros estados, de espirituosa, e acida. Quando hum liquido mucoso doce, pela fermentação se faz vinhoso, toda a parte assucarada he decomposta, e mudada em espirito.
Se não se aproveita no alambique, e passa á fermentação acida, he decomposto este vinho, e mudado em vinagre; se então vai ao alambique, sahe hum acido.
Se se deixa continuar a fermentação, e passa á alcalina, alcança o liquido hum cheiro detestavel, e pelo alambique sahe sómente alcali volatil, ou o producto das materias podres. Estas mudanças, ou decomposições, accelerão-se, ou retardão-se, segundo o maior, ou menor calor do ár, que he o principal agente da fermentação.
No gráo de frio, que géla a agua, não há [66]fermentação, ou ao menos não he sensivel; e o mesmo succede n’hum gráo de calor de sessenta gráos para cima, do thermometro de Reaumur, quero dizer, que a mão não póde supportar. Quando o calor da atmosphera, ou do lugar, onde se faz a fermentação, chega a dez gráos do mesmo thermometro, ella se estabelece, e se augmenta cada vez mais até aos trinta e cinco, que he o maximum; de trinta e cinco para cima, entra a enfraquecer proporcionalmente, até aos sessenta em que pára. Estes sessenta gráos para a fermentação são iguaes ao zero, ou gèlo de Reaumur. Nunca o gráo do frio no Rio de Janeiro póde impedir a fermentação, por ser o calor da atmosphera, de vinte a trinta gráos; e são raros os dias no Inverno, onde chega a quatorze, e nunca menos. Quando hum liquido entra em fermentação espirituosa, não a soffre ao mesmo tempo em toda a sua massa; já algumas partes tem fermentado, e vão passando a acidas, quando outras ainda não principiárão; o que faz precisar hum fermento, que excite o movimento em todas as suas partes, ao mesmo tempo.
Este fermento, a natureza o dá na espuma, e costra, que se fórma sobre hum primeiro liquido, que fermentou, que mesmo se póde desseccar para o uso.
Ajudando o calor da atmosphera tão poderosamente a fermentação, deve o Mestre Aguardenteiro impedir, quanto lhe for possivel, que com o gás, que se desprende do liquido, se não dissipem partes espirituosas; para o que ha de conservar os vasos, onde ella se faz, com pouca communicação com o ár; e em lugar de cochos, e abertos, sirva-se de pipas, e ainda melhor de dornas, com o [67]fundo largo, a boca estreita, com sua tampa, e nella hum pequeno furo, e de grandeza proporcionada aos alambiques. Deve ter tambem o maior cuidado, em determinar o seu trabalho de sorte, que não tenha mais guarápa que destilar, que os alambiques não possão vencer; e que he melhor, que estes esperem, que aquella, por não haver meio de impedir a sua depravação.
O ponto principal, donde depende toda a felicidade, ou o maior producto possivel da fermentação espirituosa, he, o saber conhecer precisamente o instante, em que a guarápa deve passar ao alambique. O signal infallivel, que designa este instante, foi descuberto por M. Gentil, Prior de Fontenet, e membro de muitas Academias, «O sabor, diz este grande homem, he huma qualidade, que he o objecto do gosto, e este sentido não póde enganar-se entre o sabor vinhoso, e o sabor assucarado; e como o cheiro vinhoso acompanha sempre o sabor vinhoso, he impossivel errar sobre a relação destes dois sentidos. Não he preciso suppôr estes sentidos bem delicados, e bem exquisitos, nem hum grande discernimento para fazer a distincção; todo o homem organisado, como o commum dos homens, distinguirá o sabor vinhoso, do sabor assucarado, com tanta facilidade, quanta poderia distinguir a côr vermelha, da côr verde…. O signal determinado, e infallivel, que designa de huma maneira invariavel, o momento, em o qual, a fermentação tem chegado ao gráo preciso, e a que he unida a maior perfeição de vinho; o momento, no qual o vinho não he assàs feito, e depois do qual vem a ser aspero, grosseiro; he o momento mesmo, onde, depois de muitas degustações [68]successivas, nas quaes temos sentido a diminuição do sabor assucarado. Este sabor, depois de se ter enfraquecido gradualmente, desaparece subitamente; então he o signal preciso, fixo, e seguro para se tirar o vinho da dorna: isto he huma ordem irrevogavel, que a natureza prescreve á arte, e que signala o momento fatal, a que he unida a perfeição deste liquor…. Fura-se a dorna no meio da altura, que occupa o liquor, e tapa-se com hum pequeno torno; logo, que a fermentação se estabelece, tira-se o torno, e deixa-se correr o liquor n’hum pequeno copo para o provar. Assim, que se percebe huma diminuição, marcada no sabor assucarado, e huma augmentação no sabor vinhoso, que são inseparaveis, deve haver cuidado na dorna, fazer a prova com frequencia, ter os vasos promptos para receber o liquor; e se o signal aparece no meio da noite, não differir para o outro dia o aproveitallo; esta noite segura huma recompensa, que deve fazer esquecer a necessidade do repouso. Este signal commum, he proporcionado á intelligencia de todos; he ainda identico, e invariavel, para hum mosto de excellente qualidade, como da mais mediocre; para huma grande quantidade de liquido, como para huma pequena; para huma fermentação viva, forte, tumultuosa, e prompta, como para huma fraca, lenta, etc. Ou seja o calor do ár proporcionado, ou intenso, sempre he o mesmo; he preciso sómente, se a fermentação tem sido mui rapida, ter mais cuidado na dorna, porque chega mais depréssa ao ponto, e he de maior prejuiso á passagem.»
Até aqui M. Gentil. Quando a guarápa indica este ponto, a costra, que a fermentação produzio, [69]está sobre ella; no tempo que gasta a desfazer-se, misturar-se com o vinho, dissipar-se o gás, que a sobrenadava para não apagar a luz, tem-se evaporado muito espirito, e outro tem passado a acido, pela fermentação acetosa, que immediatamente segue a espirituosa, porque a natureza não pára hum instante; e daqui se póde inferir, o quanto se perde, pela fórma de tomar o ponto, no estado actual.
Depois da boa fermentação com o seu ponto tomado a tempo, nada concorre tanto para huma boa distilação, como a abundancia de agua, na casa d’aguardente.
Se no refrigerante não corre sempre agua fria, para a condensação do vapor, e na tina da serpentina, para fazer cahir frio o liquor no recipiente, há huma diminuição incalculavel, na quantidade, e qualidade d’aguardente.
A falta de principios, nos fabricantes deste genero, não lhe deixa conhecer esta perda, porque lhe não he sensivel á simples vista. Olha-se com tanta indifferença para este objecto, que eu já vi n’huma fábrica, cujo dono não passa por ignorante, querer hum individuo tomar banho com a agua da tina da serpentina, suppondo-a fria, ou ao menos tepida; e, tirando a torneira, para lhe cahir no corpo, estava tão quente, que quasi levantou vessiculas. Considere-se, quanto espirito se dissiparia, sendo refrescado com agua neste estado.
Se o engenho he de agua, tem a tina da serpentina sua bica, porém tão pequena, que eu nunca vi, que a aguardente deixasse de correr com quentura. Á excepção de alguns engenhos, que tem ao pé huma pequena fonte, o commum he, [70]o ser a agua carregada ás costas, e ás vezes de bem longe. Era natural a lembrança de mandar abrir hum pôço, e com huma bomba tirar a agua que se precisasse, principalmente neste paiz, onde em menos de vinte palmos se acha a quantidade que se quer, porém só tenho visto hum; quando a despesa, que com elle se fizesse, bem paga ficava na primeira safra.
O que se vai dizer sobre o gráo de calor para a distilação, he theoria de Macquer, sobre a dos espiritos ardentes.
He huma verdade chymica, que a quantidade de fogo para a distilação, deve ser em razão da coherencia, ou apêgo das partes, que se querem fazer evaporar, aquellas, que são compostas de principios mais fixos.
Se se expõem á acção do fogo, compostos, que contenhão principios volateis, e principios fixos; os primeiros, rarificados pelo calor, procurárão separar-se dos segundos; e se o esforço que para isto fizerem, for superior ao seu apêgo, a separação terá lugar, e a evaporação se fará. Se se querem distilar substancias mui compostas, mui capazes de ser alteradas pelo calor, e que contenhão principios da maior volatilidade, taes como são muitas plantas cheirosas, os liquores espirituosos, e outros desta natureza, he preciso usar do alambique guarnecido de hum banho de maria, quero dizer, que o alambique não receba mais calor, que o que póde communicar-lhe hum vaso com agua fervendo, sobre a qual se assenta o mesmo alambique. Como na distilação que se faz no alambique, os vapores dos corpos volateis sobem verticalmente, e se condensão na sua parte superior, ou capello, esta sorte de distilação tem sido [71]chamada per ascensum. Podem fazer-se distilar mui commodamente desta sorte, todas as materias bem volateis, que possão subir ao gráo de calor, que não exceda o da agua fervendo; taes são os espiritos rectores, o espirito ardente, a agua, e todos os oleos essenciaes, etc.
O que se passa na distilação em geral, he mui simples, e mui facil de conceber. As substancias volateis, se fazem especificamente mais ligeiras, quando soffrem hum gráo de calor conveniente, reduzem-se em vapores, e se dissiparião debaxo desta fórma, se não fossem retidas, e determinadas a passar a lugares mais frios, onde se condensão, e tomão a fórma de liquores, se são dessa natureza. Como a distilação se faz sempre em vasos fechados, falta o concurso do ár exterior ás materias, que se levantão nesta operação, o qual he com tudo muito proprio para augmentar, e accelerar a subida dos corpos volateis. Mas póde-se dizer, que esta lentura, occasionada pelo defeito do ár, he antes util, que desavantajosa; porque em geral, quanto mais huma substancia volatil, que se separa da outra substancia mais fixa, se separa com lentura, tanto mais esta separação he exacta.
Por esta razão, quando se quer distilar, segundo as regras d’Arte, se he obrigado a conduzir a distilação de sorte, que a substancia volatil soffra só o gráo de calor necessario para a separar; e isto he sobre tudo indispensavel; quando não há grande differença no gráo de volatilidade dos principios dos corpos, que se querem decompôr pela distilação. Póde-se estabelecer, como regras geraes, e essenciaes á distilação; que se deve sómente applicar o gráo de calor necessario, para fazer [72]subir as substancias, que se devem destilar; e que a lentura he tão vantajosa, quanto a precipitação he prejudicial nesta operação, etc.
Comparando o que diz este grande Chymico, com a quantidade de fogo, que se atêa na fornalha do alambique, para distilar aguardente, parece impossivel, que entre tantos distiladores no Brasil, não houvesse ainda hum, que, abrindo os olhos da rasão, e guiando-se por ella, se afastasse da trilha dos mais, o que augmentaria consideravelmente a quantidade, e qualidade deste genero, sem ser á custa do Assucar, nem com a perda de huma immensidade de lenha. A fornalha, que se propõem desenhada na Estampa VII., he a do mesmo Macquer, adoptada a esta manufactura.
Communica-se ao cinzeiro, por hum buraco de seis pollegadas de comprido, e duas de largo. O vão da chaminé, he de quatro pollegadas em quadro; a boca da fornalha tem hum palmo em quadro, e sua porta de ferro.
Na Estampa tem as paredes dos lados abatidas, para se ver a construcção por dentro, e o petipé faz conhecer as suas dimensões. O fogo se entretem, e modera da mesma sorte, que no bangué do Assucar.
Discurso sobre o alambique
Naõ há instrumento chymico, em que se tenha tanto trabalhado, como no alambique. Grandes homens tem buscado em todos os tempos a sua perfeição, e continuar-se ainda hoje este trabalho, prova que ainda não se achou. Parecerá temeridade, o arriscar eu as minhas idéas, depois dos maiores Chymicos terem fallado; porém lembra-me, que hum grande homem póde procurar huma cousa, e não a achar, e hum rustico, ou outro de intelligencia mui limitada, vêla. Tem-se usado de refrigerantes, e vio-se, que quando a agua desta bacia era fria, parava a distilação, e que só se restabelecia, quando alcançava huma certa quentura.
A rasão convincente deste facto he, que os vapores subindo á superficie interna do capello, e condensando-se repentinamente pela frieza, engrossavão muito, e pelo seu pêso cahião em gottas na superficie do liquido; e que a agua hum tanto quente, impedindo esta condensação tão prompta, permittia, que os vapores menos engrossados, se encaminhassem ao canal praticado na circumferencia do mesmo capello, para sahirem pelo seu bico.
Daqui se concluio, que os refrigerantes erão inuteis. Entrão agora as theorias. Huns, crendo, que a condensação se fazia na serpentina, fazem subir a ella o vapor por hum gargalo, em fórma de tromba de elephante; outros modificão esta especie de tromba, e dão hum grande diametro á caldeira do alambique, com mui pouca altura; e[74]fazem principiar a serpentina com hum grande diametro, e acabar n’hum mui pequeno; outros, em fim, augmentão a superficie do capello; porém he geral em todos, o fazerem hum pescoço á caldeira, maior, ou menor, segundo a sua fantazia, e só Chaptal quer, que a caldeira seja hum cilindro perfeito, porém nada de refrigerante. Todos estes alambiques obrão com maior, ou menor proveito; e eu tenho visto distilar sem refrigerante, nem serpentina, o que me prova, que o contacto do ár no capello do alambique, tem bastante força para condensar o vapor; não se aproveita tanto, como com a serpentina, porém he pela dissipação do liquor, por sahir mui quente do bico do alambique. Sendo a evaporação em razão da superficie, e subindo os vapores perpendiculares, de que ninguem duvida, só Chaptal acertou, tirando o pescoço á sua caldeira, e fazendo-a cilindrica; porque a abobada abatida, que nasce das paredes da caldeira, até onde fórma o pescoço, exposta ao contacto do ár, condensa o vapor que nella toca, e a unica sahida que tem, he tornar para a caldeira; he por consequencia preciso mais tempo, e maior fogo, para que o vapor se enfie por este pescoço, segundo a maior, ou menor superficie que o ár toca, e o maior, ou menor diametro do pescoço, mais, ou menos longitude da superficie, onde se faz a evaporação, á parte onde, condensando-se, póde encaminhar-se á serpentina. O refrigerante he preciso, e indispensavel para huma boa distilação. Se a frieza da agua condensa mui promptamente o vapor, e as gôttas engrossadas são precipitadas na caldeira pelo seu pêso, he porque a abobada do capello, sendo muito abatida, não lhe dá huma facil correntesa; a que [75]eu tenho visto mais levantada, he a do capello de Baumé, que faz hum angulo de cincoenta gráos; ora hum angulo de cincoenta gráos facilita tanto a cahida, como a correntesa; ha de correr, e cahir indistinctamente; porém se este angulo for de sessenta e cinco gráos, por mais grossas que sejão as gôttas, tem mais facilidade para correr, que para cahir, e por consequencia, quanto vapor subir, tanto se aproveitará.
A caldeira do alambique, que se propoem, he hum cilindro de quatro palmos de altura, e quatro de diametro. O capello, que he de figura conica, deve ter de altura o diametro da sua base, tirado da superficie externa do canal, ou goteira, que acaba no bico, para fazer hum angulo de sessenta e cinco gráos.
Este capello deve ser de estanho puro, porque o espirito come o cobre; e para ficar mais barato, e mais duravel, póde ser o estanho ligado em partes iguaes com o zinco. Proximo á sua base, tem hum tubo de pollegada e meia de diametro, que huma tampa do mesmo metal fecha em rosca, pelo qual se introduz na caldeira o vinho para distilar; e he cercado de huma chapa de cobre, soldada na circumferencia, na parte, onde principia o calor, que se ha de introduzir na caldeira; cuja chapa fórma hum cilindro da altura do cone, e serve de bacia, para conter a agua que esfria o capello, onde se condensa o vapor, e o canal, que o conduz ao bico. Esta bacia, ou refrigerante, tem n’huma das paredes, proximo á sua base, hum pequeno tubo de pollegada de diametro, para dar sahida á agua, que continuadamente deve correr sobre a ponta do cone; e tambem dá passagem ao tubo, por onde se carrega de [76]vinho a caldeira do alambique. A caldeira tem seu tubo de descarga, para sahirem as fézes depois da distilação, cujo tubo deve fechar em rosca na caldeira, para, no caso de ser preciso tiralla, não desmanchar a parede da fornalha; porém que o tape hum simples torno. A. Veja-se a Estampa VII. Fig. I. A serpentina de oito linhas de diametro, em espiral de oito voltas. Eu não posso comprehender as rasões que se dão, para ella principiar com hum grande diametro, e acabar n’hum tão pequeno; creio, que a condensação do vapor se faz no capello, que a frieza d’agua, batendo nelle, a favorece prodigiosamente, e que a serpentina serve só de refrescar o liquor, para cahir frio no recipiente; ora este effeito consegue-se melhor com o pequeno, que com o grande diametro; porque a agua tem huma pequena columna de ár que esfriar, e toca o liquor de mais perto em todas as partes do canal. Se dou quatro palmos de diametro á caldeira do alambique, he para que o seu fundo seja de huma chapa de cobre inteira, e sem emendas; a altura, qualquer que seja o diametro, nunca deve passar de quatro palmos. Tambem, se o diametro for muito grande, fica incommodo o capello, por ser preciso levantar o cone em proporção: e eu não conheço fábrica, que, trabalhando bem, possa occupar sempre dois alambiques assim construidos.
Os alambiques, que contém pipa e meia, e duas pipas de guarápa, servem mais de ostentação, que de utilidade; o seu rendimento em espirito, não equivale, proporção guardada, ao dos mais pequenos. A materia da serpentina, merece a maior attenção, não deve ser de cobre, nem de metal com elle ligado; o espirito corroe o cobre, [77]dissolve o zinabre, e com a aguardente se engole hum veneno; eu bem sei, que o espirito o disfarça alguma cousa, e que he em pequena quantidade respeito á sua massa; porém o ser pouco, e sem os terriveis effeitos, que causa dissolvido pelos acidos, não impede, que ataque a economia animal, e pouco a pouco a destrua. Desejava que fosse de prata pura, sem liga alguma de cobre.
Os Artistas, que trabalhão em prata, tem mais pericia que os caldeireiros; podem fazer as chapas de prata com a grossura da folha de Flandres, reforçada; e, se lhe for mais cómodo, formar a espiral em poligono de cinco, ou mais angulos; o effeito he o mesmo. Esta despesa não he tão grande, que qualquer Senhor de engenho não possa com ella, e a duração excederá á da sua vida. Talvez haverá, quem tenha esta idéa por extravagancia, que a escarneça, e teime em usar de serpentina de cobre; porém o miseravel que isto fizer, se não for por ignorancia, merece a maior compaixão, por ter huma alma gangrenada pela avareza, que lhe faz olhar com despreso, para a saude, e vida dos homens. Quizera tambem, que o recipiente fosse hum garrafão, e nada de complicações, nem torneiras de chave, faceis de desmanchar, e difficultosas de concertar, porque me lembro das pessoas, que lidão nestas fábricas.
Ordem do trabalho para fazer aguardente.
Tres quartas partes de agua, huma quarta parte de mel, são lançados na dórna, a qual deve conter sómente, tanto desta especie de mosto, quanto caiba em dois alambiques, ficando elles hum palmo por encher. Deita-se neste mosto bastantes fézes de huma fermentação antecedente, que se mistura bem com todo o liquido; tapa-se a dorna, deixando aberto o pequeno furo da tampa, para a communicação do ár, e que a mesma dórna fique ao menos dois palmos por encher. Assim que principia a fermentação, prova-se o liquor, e continua-se a prova, até chegar ao ponto determinado por M. Gentil.
Ainda que o vinho neste ponto se considere claro, e se tire por huma torneira, que a dorna tem no fundo, não deve passar ao alambique, sem que seja por hum coador, para que não vão nelle partes grosseiras; porque estas, hindo ao fundo da caldeira, e recebendo o fogo immediatamente, queimão-se, e communicão ao espirito, o empireuma, ou gosto de queimado, que he indistructivel. Já se vê, que esta dorna deve estar n’huma altura tal, que o seu vinho possa correr por huma calha, que o lança no alambique pelo tubo da sua carga; em cujo tubo está hum funil de folha proporcionado, e neste funil he, que se deve pôr o coador. Como a fermentação se fez com pouca communicação com o ár, e o gás, que se soltou, e fugio do mosto, se conserva na mesma dorna, e causa promptamente a morte a todo o animal, que o inspirar, não, porque elle em si seja veneno, [79]mas porque, sendo incompressivel, e inelastico, o afoga, assim como a agua; deve haver todo o cuidado, para prevenir qualquer funesto effeito. Antes do vinho hir para o alambique, já o refrigerante deste está cheio de agua, assim como a tina da serpentina; cuja agua continúa sempre a correr n’huma, e outra parte, e a sahir pelos seus respectivos tubos, em quanto dura a distilação. Principia esta, lançando logo bastante fogo debaxo do alambique, para sahir a fleuma, que se despreza; e assim que entra a correr o espirito, modera-se o fogo, e entretem-se sòmente o que he preciso; havendo sempre a lembrança de perder antes por menos, que por mais, e que a lentura he tão proveitosa para a quantidade, e qualidade, quanto a precipitação he prejudicial. Assim que cessa de correr o espirito, ou corre sòmente, o que se chama agua fraca, tira-se o fogo ao alambique, e descarrega-se das suas fézes pelo tubo de descarga; muda-se a bica do refrigerante, e a da tina para cahirem dentro delle, e desta sorte ser lavado; e de dia, tira-se-lhe o capello, para se fazer este beneficio mais individualmente. Não fallo nas qualidades, que deve ter a aguardente para ser perfeita, porque he desconhecido neste paiz o areometro.
A forma de a escolher, he agitalla n’hum pequeno copo, e a maior, ou menor demora da espuma, que faz, he, o que lhe mostra a bondade; e qualquer que ella seja, toda tem sahida.
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