quinta-feira, 11 de outubro de 2012

De Salinas para o mundo

Sete décadas depois do início da produção de cachaça em Salinas, um paulista invade o Norte de Minas com a promessa de profissionalizar a cadeia produtiva e fazer com que o produto conquiste os quatro cantos do mundo. Proprietário de uma distribuidora de bebidas em Campinas (SP), o que lhe garante acesso ao mercado, Carlos Sebastião Andriani adquiriu três importantes marcas de cachaça mineira, uma fazenda e uma fabriqueta tendo como objetivo disseminar a venda da autêntica cachaça de Salinas em São Paulo (maior mercado consumidor do produto) e no exterior. O investidor mantém contato com representantes dos Estados Unidos, China, França e Angola e pretende iniciar, até o fim do ano, a venda dos primeiros lotes.

Investidor paulista quer representar pelo menos 56 rótulos de cachaças artesanais de Minas Carlos Sebastião Andriani compra três marcas, uma fazenda e uma fabriqueta na cidade, inicia contato no exterior

Pedro Rocha Franco - Publicação: 18/08/2012


O acesso ao mercado estrangeiro era considerado o principal empecilho para que os produtores da região conseguissem exportar a cachaça. Por enquanto, apenas um rótulo artenasal originário de Salinas é vendido em escala razoável para o exterior. Com isso, a abertura das portas pode ser o primeiro passo para que outras marcas também se beneficiem da chegada do investidor. Outro ponto tido como problemático para que fossem firmados contratos de médio e longo prazo é a falta de estabilidade na safra da cana-de-açúcar. Neste ano, a forte seca reduziu entre 30% e 40% a produção dos canaviais. “A nossa dificuldade era ter acesso a outros mercados. Agora, acho que vamos abrir as portas da exportação e ressuscitar pequenos produtores de cana que desistiram”, afirma o presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs), Nivaldo Gonçalves das Neves.

O investidor paulista adquiriu as marcas Beija-flor, Salivana e Paladar, além da indústria da Erva-Doce e a fazenda onde era fabricada a Indaiazinha, por cifra que prefere manter em segredo. Ele deve também criar a marca Iê. Mas pretende representar mais de uma dezena das 56 marcas da região de Salinas em sua distribuidora. Para isso, terá 73 pontos de distribuição apenas na capital paulista e pessoalmente deve fazer o contato com representantes de governos estrangeiros e investidores.

No início do ano, o maior produtor de rum da China visitou Salinas, e até o fim do ano Andriani deve seguir para o Oriente para tentar firmar o acordo de exportação. Mas ele adianta que as primeiras parcerias devem ser fechadas com norte-americanos e franceses. A expectativa é de que ainda esse ano se inicie a venda da cachaça artesanal de Salinas para os dois países. “A distribuição é o calcanhar de aquiles de Salinas”, adverte o investidor, que vê potencial principalmente no comércio de garrafas mais sofisticadas.

Apesar de buscar a profissionalização de parte da cadeia produtiva da cachaça de Salinas, Andriani garante que manterá a forma de produção artesanal, como modo de garantir a qualidade e o status do produto. O liquido é mantido por dois anos, em média, em barris de madeira de umburana, bálsamo, jequitibá-rosa e carvalho francês. Até carros de boi são usado na produção. “Foi isso aqui que deu status à cachaça brasileira. Antes era pinga. E, para trabalhar com artesanal, é preciso respeitar as origens”, afirma. Outro fator importante para que seja preservada a fórmula é que no mês passado o Instituo Nacional de Produção Industrial (INPI) concedeu o título de indicação geográfica à cachaça produzida em Salinas, mas para que a marca o receba, é preciso respeitar alguns métodos de preparo.

Titulação

A confirmação do título de indicação geográfica aos produtores de cachaça na região de Salinas deu maior ânimo também ao paulista. Andriani acredita que, com o tempo, ocorrerá o mesmo processo de reconhecimento de qualidade que obteviveram e o conhaque e o champanhe na França. Os dois são característicos de duas regiões francesas (Cognac e Champagne) e, com a indicação geográfica, os rótulos fabricados nessas regiões passaram a ser procurados pelo nome da localidade. “Com o passar dos anos e a difusão do título, as pessoas dirão nos bares: ‘Quero tomar uma Salinas’. Aí o garçom vai apresentar as garrafas feitas na região. É como pedir um champanhe”, vislumbra o investidor.

Além disso, a abertura de novos mercados para o setor artesanal fora de Minas deve permitir que se interrompa o ciclo ocioso de produção. Atualmente, as fábricas trabalham quase 40% abaixo do limite de rendimento. Sem a necessidade de novos investimentos nessas unidades, a expectativa da Apacs é de que, nos próximos dois anos, o volume produzido atinja o limite. A única medida necessária para isso é o aumento de 200 hectares nos canaviais, o que dá apenas oito hectares por produtor. Com isso, a expectativa é de que o volume produzido aumente 2 milhões de litros por ano, atingindo 7 milhões de litros ao ano em 2014.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

VIII Concurso de Cachaça de Alambique - UNESP

No dia 29 de setembro de 2012 foi realizado o VIII Concurso de Cachaça de Alambique no Centro de Pesquisa da Cachaça da UNESP Araraquara.

O Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP/Araraquara, promoveu em parceria com o Sindicato Rural de Araraquara e o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa do Estado de São Paulo (SEBRAE-SP) o VII Encontro da Cadeia Produtiva de Cachaça e o VIII Concurso de Cachaça de Alambique".

O Encontro teve o objetivo de capacitar os produtores de cachaça e assim melhorar a qualidade do produto final, criando um elo entre os detentores de tecnologia, do conhecimento de serviços, no caso a universidade, e os que necessitam aprender novas tecnologias, no caso os micro e pequenos produtores de cachaça.

Nesta edição foram abordados aspectos relacionados ao planejamento do plantio da cana de açúcar, controle da fermentação e da destilação, além do Encontro AgroSebrae, que proporcionou ao produtor um momento de troca de experiências, contatos profissionais e pessoais, além de um aprendizado na área de marketing.

Nesta ocasião. ao final deste encontro foram premiadas as melhores cachaças de alambique. Neno Campanari recebeu um troféu pelo 1ª lugar na categoria cachaça descansada.

A cachaça Campanari é produzida desde 1932 na região das águas paulista em Monte Alegre do Sul, São Paulo, pela família Campanari. É uma cachaça especial produzida em alambique de cobre com fermentação a base de milho e descansada em tonéis de carvalho, deixando um paladar marcante e aroma singular. Antonio Sérgio (Neno) Campanari está a frente da produção da cachaça que é muito apreciada na região e no estado. 

A sua produção diária é uma média de 35 litros, totalizando cerca de mil litros por mês. As vendas acontecem no próprio sítio, para os turistas que visitam o alambique e querem conhecer como se faz uma pinga artesanal. Premiada nos últimos concursos nacionais de cachaça promovidos pela Universidade de São Paulo (o Concurso de Qualidade da Cachaça, dentro do evento Brazilian Meeting on Chemistry of Food and Beverages) e também em recentes concursos paulistas de cachaça pela UNESP, a pinga artesanal é uma das mais antigas de Monte Alegre do Sul. Produzida desde 1932 pelo avô de Neno, o italiano Luigi Campanari, a receita acabou sendo repassada para vários descendentes, que montaram outros alambiques na região. As fotos dessa saga familiar estão na simpática lojinha, que expõe barris de carvalho.

Onde fica: Estrada de Monte Alegre do Sul, bairro dos Limas-Barra; (19) 3899-2583

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Alambiques de SP buscam melhorar a imagem

Em mercado dominado pelos mineiros, os produtores paulistas querem mostrar que fazem cachaça boa.


Tonéis para envelhecimento da Cachaça Elisa
Divulgação: Cachaça Elisa

São Paulo perdeu a fama de produtor de café bom porque a cultura ficou reduzida no estado, em quantidade e qualidade. Minas Gerais leva a fama, com toda justiça. São Paulo perdeu a fama de produtor de cachaça de qualidade, justamente enquanto virava um mar de cana. Minas leva a fama também. Mas aqui justiça seja feita: o interior paulista tem "branquinha" que não dá ressaca.

Falta o apreciador saber disso. É como no café. O simples consumidor bebe qualquer coisa e nem liga para a procedência. Já o apreciador sabe que o café mineiro é o melhor.

Na cachaça de alambique, a maioria pede uma marca mineira também. E até o iniciante ou curioso pede uma de lá, quando não indicada pelo garçom.

É nesse contexto de branding que os produtores paulistas de aguardente de qualidade querem aparecer mais. Construir uma imagem associada ao produto paulista, em um mercado regional mais conhecido pela bebida industrializada, classificada no meio como de "coluna".

No âmbito da Associação Paulista dos Produtores de Cachaça de Alambique (APPCA) ninguém desconhece que esse trabalho levará tempo. "Qualidade temos, reconhecimento também temos de algumas marcas premiadas, mas estamos muito atrasados mercadologicamente", diz o presidente Reinaldo Annicchino, para quem o atraso é em relação aos mineiros.

Não é uma questão de duelar com a concorrência. Trata-se de seguir um exemplo iniciado em Minas há 15 anos e aceitar que em um setor pequeno, ainda que em ascensão, abrir espaço em meio a um market share de origem dominado por várias marcas – algumas campeãs – exigirá um esforço redobrado.

AGREGAÇÃO DE MARCAS

O desafio, na opinião de outro produtor, Christian Johnson, é mais união e agregação de valor na qualidade da origem, não apenas em marcas comerciais individualmente. Isso teria que passar por cima dos egos dos produtores, que acabam disputando entre si qual faz a melhor cachaça.

"Tem muita marca. Na Escócia", exemplifica o dono da Cachaça Elisa, "milhares de produtores de uísque abandonaram suas marcas próprias e entregam seus produtos a associações que trabalham com poucas marcas". Algo já experimentado pela Coopercachaça, de Salinas, no norte de Minas.

Numa atividade que para alguns é hobby, para outros status, misturando na maioria dos casos tradição de gerações, deixar de ser visto individualmente é como profanar a boa pinga com groselha.

Mas esse conceito de unir sinergias comerciais e de marketing, ao invés de dispersar as forças e continuar no gueto, é algo comum em setores e em empresas. Mesmo os grandes não conseguem carregar custos de produtos sem escala durante muito tempo.

O alambique de Johnson, em Patrocínio Paulista, movido a 12 hectares de cana própria, tem capacidade para 400 mil litros por safra, mas está longe disso. Alcança 50 mil. Como também é o caso de Annicchino, presidente da APPCA. Sua Cachaça do Rei, nas versões envelhecida e pura, de Capivari, somam 15 mil litros atualmente, "mas poderia triplicar se houvesse mais comercialização".

Ficar correndo atrás de empórios gourmets, lojas diferenciadas, pontos de degustação – leia-se cachaçarias e botecos da moda – é o que resta para os produtores. Uma rede pequena demais de canais para dar vazao satisfatória para todos e, como já dito, que estão chegando com atraso.

Apesar de esperar mais do conjunto dos alambiqueiros - prova disso é que a entidade já chegou a 20 associados e hoje soma 13, com aproximadamente 500 mil litros de produção -, Reinaldo Annicchino igualmente tem esperança em dois pontos de apoio o setor em São Paulo.

IMAGEM E PREÇOS

Um é o trabalho de melhoramento com Universidade de São Paulo, campus São Carlos, que pode resultar em um Selo de Qualidade, e o outro é a retomada do apoio do Sebrae, abortado há alguns anos por conta de problemas internos na instituição de fomento.

A questão preço também acaba sendo um obstáculo para a pinga de alambique ganhar mais balcão. Algumas são vendidas ao consumidor a preço de uísqe 12 anos, como algumas mineiras mais conhecidas, como a Espírito de Minas ou Salinas.

Além da falta de padrão comercial e de mais concorrentes fortes, a carga tributária impõe um custo de 34% ao produto artesanal. O presidente da APPCA afirma que a pinga "ruim" industrializada paga R$ 0,34 por litro de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), contra R$ 2,90 da de alambique.

"Ninguém consegue entender", lamenta Annichino. A falta de isonomia deve ser porque a "caninha" popular tem produção absoluta muitíssimo superior - cerca de 70% dos 1,4 bilhão de litros, segundo cálculo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) – e seu processo produtivo a caracteriza como industrial de fato e de direito.

Números confiáveis só de exportação

O setor de cachaça no Brasil é terra de ninguém em termos de radiografia. Os únicos números confiáveis são de exportação, registrados oficial e obrigatoriamente. Mesmo os grandes grupos não abrem seus números, que dirá os milhares de micros e pequenos produtores. A informalidade corre solta também. Em número de marcas, fala-se de quatro a oito mil marcas, em cerca de 40 mil produtores. O Ibrac também estima um faturamento de R$ 7 bilhões anuais. No mercado externo, em 2011 o Brasil faturou US$ 17,3 milhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Em 2102, até julho, foram exportados US$ 7 milhões, quase US$ 2 milhões a menos que no mesmo período do ano anterior.

A crise dos grandes compradores internacionais pode estar afastando os "pingaiadas", mas o obstáculo lá fora é quase a imagem e semelhança do que acontece aqui dentro com os alambiques de São Paulo.

Apesar da oficialização cachaça como bebida nacional e de algumas vitórias internacionais – Washington está para reconhecer como bebida genuinamente brasileira e uma empresa japonesa perdeu os direitos indevidos de explorar o nome cachaça no mundo – o produto está atrasado em relação à Tequila (México), Pisco (Chile) e Saquê (Japão).

O aguardente tem que romper a barreira do mercado e sair do domínio de poucos apreciadores. E, na maioria dos casos, vender no private label, que é o mercado de marca própria dos bons clientes, com exceção das grandes marcas industrializadas, como Ypioca e Sagatiba.

Christian Johnson já viu a sua Elisa levar a marca de um comprador nos Estados Unidos. Agora negocia com China, Bélgica e Estados Unidos, mas só o primeiro que manter a mesma identidade.