Em mercado dominado pelos mineiros, os produtores paulistas querem mostrar que fazem cachaça boa.
Tonéis para envelhecimento da Cachaça Elisa
Divulgação: Cachaça Elisa
São Paulo perdeu a fama de produtor de café bom porque a cultura ficou reduzida no estado, em quantidade e qualidade. Minas Gerais leva a fama, com toda justiça. São Paulo perdeu a fama de produtor de cachaça de qualidade, justamente enquanto virava um mar de cana. Minas leva a fama também. Mas aqui justiça seja feita: o interior paulista tem "branquinha" que não dá ressaca.
Falta o apreciador saber disso. É como no café. O simples consumidor bebe qualquer coisa e nem liga para a procedência. Já o apreciador sabe que o café mineiro é o melhor.
Na cachaça de alambique, a maioria pede uma marca mineira também. E até o iniciante ou curioso pede uma de lá, quando não indicada pelo garçom.
É nesse contexto de branding que os produtores paulistas de aguardente de qualidade querem aparecer mais. Construir uma imagem associada ao produto paulista, em um mercado regional mais conhecido pela bebida industrializada, classificada no meio como de "coluna".
No âmbito da Associação Paulista dos Produtores de Cachaça de Alambique (APPCA) ninguém desconhece que esse trabalho levará tempo. "Qualidade temos, reconhecimento também temos de algumas marcas premiadas, mas estamos muito atrasados mercadologicamente", diz o presidente Reinaldo Annicchino, para quem o atraso é em relação aos mineiros.
Não é uma questão de duelar com a concorrência. Trata-se de seguir um exemplo iniciado em Minas há 15 anos e aceitar que em um setor pequeno, ainda que em ascensão, abrir espaço em meio a um market share de origem dominado por várias marcas – algumas campeãs – exigirá um esforço redobrado.
AGREGAÇÃO DE MARCAS
O desafio, na opinião de outro produtor, Christian Johnson, é mais união e agregação de valor na qualidade da origem, não apenas em marcas comerciais individualmente. Isso teria que passar por cima dos egos dos produtores, que acabam disputando entre si qual faz a melhor cachaça.
"Tem muita marca. Na Escócia", exemplifica o dono da Cachaça Elisa, "milhares de produtores de uísque abandonaram suas marcas próprias e entregam seus produtos a associações que trabalham com poucas marcas". Algo já experimentado pela Coopercachaça, de Salinas, no norte de Minas.
Numa atividade que para alguns é hobby, para outros status, misturando na maioria dos casos tradição de gerações, deixar de ser visto individualmente é como profanar a boa pinga com groselha.
Mas esse conceito de unir sinergias comerciais e de marketing, ao invés de dispersar as forças e continuar no gueto, é algo comum em setores e em empresas. Mesmo os grandes não conseguem carregar custos de produtos sem escala durante muito tempo.
O alambique de Johnson, em Patrocínio Paulista, movido a 12 hectares de cana própria, tem capacidade para 400 mil litros por safra, mas está longe disso. Alcança 50 mil. Como também é o caso de Annicchino, presidente da APPCA. Sua Cachaça do Rei, nas versões envelhecida e pura, de Capivari, somam 15 mil litros atualmente, "mas poderia triplicar se houvesse mais comercialização".
Ficar correndo atrás de empórios gourmets, lojas diferenciadas, pontos de degustação – leia-se cachaçarias e botecos da moda – é o que resta para os produtores. Uma rede pequena demais de canais para dar vazao satisfatória para todos e, como já dito, que estão chegando com atraso.
Apesar de esperar mais do conjunto dos alambiqueiros - prova disso é que a entidade já chegou a 20 associados e hoje soma 13, com aproximadamente 500 mil litros de produção -, Reinaldo Annicchino igualmente tem esperança em dois pontos de apoio o setor em São Paulo.
IMAGEM E PREÇOS
Um é o trabalho de melhoramento com Universidade de São Paulo, campus São Carlos, que pode resultar em um Selo de Qualidade, e o outro é a retomada do apoio do Sebrae, abortado há alguns anos por conta de problemas internos na instituição de fomento.
A questão preço também acaba sendo um obstáculo para a pinga de alambique ganhar mais balcão. Algumas são vendidas ao consumidor a preço de uísqe 12 anos, como algumas mineiras mais conhecidas, como a Espírito de Minas ou Salinas.
Além da falta de padrão comercial e de mais concorrentes fortes, a carga tributária impõe um custo de 34% ao produto artesanal. O presidente da APPCA afirma que a pinga "ruim" industrializada paga R$ 0,34 por litro de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI), contra R$ 2,90 da de alambique.
"Ninguém consegue entender", lamenta Annichino. A falta de isonomia deve ser porque a "caninha" popular tem produção absoluta muitíssimo superior - cerca de 70% dos 1,4 bilhão de litros, segundo cálculo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) – e seu processo produtivo a caracteriza como industrial de fato e de direito.
Números confiáveis só de exportação
O setor de cachaça no Brasil é terra de ninguém em termos de radiografia. Os únicos números confiáveis são de exportação, registrados oficial e obrigatoriamente. Mesmo os grandes grupos não abrem seus números, que dirá os milhares de micros e pequenos produtores. A informalidade corre solta também.
Em número de marcas, fala-se de quatro a oito mil marcas, em cerca de 40 mil produtores. O Ibrac também estima um faturamento de R$ 7 bilhões anuais. No mercado externo, em 2011 o Brasil faturou US$ 17,3 milhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Em 2102, até julho, foram exportados US$ 7 milhões, quase US$ 2 milhões a menos que no mesmo período do ano anterior.
A crise dos grandes compradores internacionais pode estar afastando os "pingaiadas", mas o obstáculo lá fora é quase a imagem e semelhança do que acontece aqui dentro com os alambiques de São Paulo.
Apesar da oficialização cachaça como bebida nacional e de algumas vitórias internacionais – Washington está para reconhecer como bebida genuinamente brasileira e uma empresa japonesa perdeu os direitos indevidos de explorar o nome cachaça no mundo – o produto está atrasado em relação à Tequila (México), Pisco (Chile) e Saquê (Japão).
O aguardente tem que romper a barreira do mercado e sair do domínio de poucos apreciadores. E, na maioria dos casos, vender no private label, que é o mercado de marca própria dos bons clientes, com exceção das grandes marcas industrializadas, como Ypioca e Sagatiba.
Christian Johnson já viu a sua Elisa levar a marca de um comprador nos Estados Unidos. Agora negocia com China, Bélgica e Estados Unidos, mas só o primeiro que manter a mesma identidade.