sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Curso de Produção de Cachaça de Alambique

Curso certificado pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ).
  
Início: 11 de maio de 2013
  
Objetivo: Capacitar o aluno para trabalhar e gerenciar processos de produção de cachaça de alambique, com ênfase na qualidade química e sensorial da bebida e nos aspectos ambientais relacionados à fabricação
  
Pontos principais
  • Importância sócio-econômica e cultural da cachaça
  • Apresentação das exigências legais para a construção e funcionamento de um estabelecimento produtor e acondicionador de cachaça
  • Abordagem das principais etapas do processo de fabricação da cachaça de alambique, com detalhamento das práticas empregadas desde o cultivo da matéria-prima até a produção da cachaça e seu respectivo armazenamento
  • Aspectos relacionados a qualidade química e sensorial da cachaça
  • Informações sobre a nutrição, fisiologia, metabolismo e cinética do microorganismo utilizado na produção.
Programa
  
11/05 - A cachaça: aspectos históricos, econômicos e legislação.
25/05 - Cultivo da matéria-prima e produção da cachaça (primeira parte)
08/06 - Produção da cachaça (segunda parte)
15/06 - Aula prática – Produção na fábrica da Esalq/USP

Coordenadores

Dr. André Ricardo Alcarde – Professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN/ESALQ/USP), com atuação na área de tecnologia da produção de açúcar e de etanol e das fermentações alcoólicas para a produção de bebidas fermentadas e destiladas.

Dr. Leandro Marelli – Pós-doutor pela USP, com estudos relacionados à Tecnologia de Bebidas e Controle de Qualidade em Bebidas Alcoólicas. Autor de artigos sobre qualidade química e sensorial da cachaça publicados em periódicos e congressos científicos nacionais e internacionais. Jurado do Ranking Playboy de Cachaças 2011, atuando como convidado de diversos encontros relacionados a qualidade química e sensorial de cachaça.

Duração: 32 horas, sendo 4 aulas de 8 horas de duração. Encontros quinzenais aos sábados, das 8h às 12h e das 13h às 17h.

Corpo Docente
Professores da Esalq/USP e profissionais de renomada experiência atuantes na fabricação de cachaça.

Aprovação e CertificaçãoSerá considerado aprovado e receberá um atestado de conclusão da oficina emitido pela FEALQ – Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz, o participante que obtiver aprovação nos trabalhos exigidos (nota maior ou igual a 7) e tiver, pelo menos 75% (setenta e cinco por cento) de freqüência no total das atividades programadas.

Para mais informações entre em contato com o e-mail
cachaca@pecege.esalq.usp.br

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Reconhecida e cada vez melhor

Publicado 16 Dezembro 2012.

Concurso nacional premia as melhores cachaças do Brasil e revela uma tradição revigorada por critérios que buscam a qualidade através da análise de laboratório.
SYLVIA MIGUEL

A bebida mais genuinamente brasileira está cada vez melhor. É o que constatou o 5º Concurso Nacional de Avaliação da Qualidade da Cachaça, realizado de 3 a 6 de dezembro pelo Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente (LDQA) do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. O evento bianual selecionou, entre 48 marcas inscritas, oito aguardentes do tipo envelhecida e oito do tipo descansada.


 “O que fazemos aqui é uma espécie de Fórmula 1 da cachaça, com critérios muito rigorosos, capazes de avaliar não só as propriedades sensoriais, mas também o seu estado químico. Verificamos que a qualidade tem melhorado muito. Nenhum participante deste ano foi reprovado quimicamente”, afirma o professor Douglas Wagner Franco, coordenador do laboratório e responsável pelo concurso nacional.

 Já que todas as marcas se enquadraram nos rigorosos padrões de controle de qualidade química avaliados pelo laboratório, o diferencial das melhores ficou por conta dos testes sensoriais dos especialistas e do gosto dos apreciadores. Porque uma cachaça pode ser boa ao paladar e agradável aos olhos, mas é essencial que não exceda os limites de substâncias nocivas à saúde.

 Na primeira etapa do concurso, o laboratório avalia 60 itens da composição química da pinga, excedendo largamente os dez itens controlados pelo Ministério da Agricultura. Álcoois, aldeídos, carbonato de etila, metais, cetonas, metanol e outras substâncias entram na lista para se chegar ao que o professor Franco chama de perfil químico da aguardente.
 Componentes como o metanol “não são mais problema para a aguardente brasileira”, diz Franco. “A maioria das substâncias está muito abaixo do limite mínimo permitido”, afirma.
 A segunda etapa é a análise sensorial descritiva feita por um painel de especialistas. Este ano, 25 profissionais e estudantes de ambos os sexos e das mais diversas áreas foram treinados por Jorge Behrens, professor da Unicamp e especialista em avaliação sensorial de alimentos e bebidas. Nos anos anteriores o concurso contou com a colaboração do analista sensorial italiano Luigi Odello, do centro Studi e Formazione Assaggiatori, de Brescia, Itália.

 Finalmente, os apreciadores, ou pessoas convidadas, participam da análise sensorial afetiva, dando notas conforme o gosto pessoal. Compõem uma escala de preferência, a partir de testes cegos.

 As oito aguardentes envelhecidas e as oito descansadas ganharam medalhas e prêmios nas categorias ouro, prata, bronze e menção honrosa. As informações da composição química são mantidas em sigilo. Participaram concorrentes de todo o Brasil, todos com produção inferior a 50 mil litros ao ano, diz Franco. “A maior preocupação do pequeno produtor é buscar a diferenciação pela qualidade”, ressalta o professor.

 Vem de Taubaté, interior de São Paulo, do mesmo local onde funcionam o hotel Fazenda Mazzaropi e o Museu Mazzaropi, a melhor cachaça ouro do Brasil, segundo os critérios avaliados pelo Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente. As cachaças da fazenda de Taubaté envelhecidas em carvalho americano e europeu também levaram dois prêmios na categoria prata.

 O prêmio ouro da categoria descansada ficou com a Elisa Ouro, produzida em Planalto Paulista, interior de São Paulo (confira nesta página todas as classificadas).
O Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente do Instituto de Química de São Carlos: bebidas com alta qualidade

O Concurso Nacional de Avaliação da Qualidade da Cachaça surgiu a partir do Brazilian Meeting on Chemistry of Food and Beverages. O encontro internacional está na sua 11ª edição. Foi criado por um grupo de pesquisadores vinculados ao IQSC, à Unesp e à Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP e vem sendo realizado nos diversos campi dessas universidades.

Nacional – Sua história se confunde com a do Brasil e traduz o espírito descontraído do brasileiro. O destilado do vinho obtido do mosto fermentado de cana-de-açúcar é provavelmente a bebida destilada mais antiga da América Latina, talvez mais que o pisco peruano ou a tequila mexicana.


 Considerado um produto típico do Brasil pelo decreto nº 4062, de 21 de dezembro de 2001, a cachaça possui um teor alcoólico muito alto, que pode variar de 38% vol (trinta e oito por cento em volume) a 48% vol (quarenta e oito por cento em volume), a uma temperatura de 20ºC.  É basicamente composta de etanol e água, daí a denominação aguardente.

 Em 2007, gerou receita de US$ 14,4 milhões, segundo artigo de 2009 publicado na revista Química Nova, volume 32, número 7, assinado, entre outros, pelo professor Franco e o especialista italiano Luigi Odello.

 Entre os itens que diferenciam a cachaça estão o tipo de alambique em que é destilada, o tempo de descanso e a madeira a que é submetida. Após a destilação e filtragem, a pinga descansa por um período de três a seis meses em tonéis de aço inoxidável com madeira neutra e, nesse caso, é classificada como descansada.

 Se, após aquele período, ela permanecer por mais de um ano em recipientes de madeira, poderá ser chamada envelhecida. No artigo de Franco e Odello, é denominada envelhecida a cachaça “que contiver no mínimo 50% de aguardente de cana envelhecida em barris de madeira, por um período não inferior a um ano, podendo ser adicionada de caramelo para a correção da cor”.

 A bebida envelhece em madeiras que lhe emprestam sabor, aroma e cor. Em geral, as madeiras mais utilizadas para envelhecimento são o carvalho, pereira e bálsamo. “Mas agora estão utilizando muito algumas madeiras brasileiras, como cabreúva, pereiro ou grápia. A escolha é aleatória, depende da experiência e gosto do produtor”, afirma Franco.
 O envelhecimento diminui o sabor alcoólico e a agressividade da bebida, ao mesmo tempo em que aumenta a doçura e o sabor de madeira, melhorando efetivamente a qualidade sensorial do produto. Por essa razão, a cachaça envelhecida é considerada de melhor qualidade. Também por isso deve ser avaliada em categoria separada da pinga descansada, diz Franco.


Cachaça Mazzaropi ganha medalhas de ouro e prata no 5.° Concurso de Avaliação da Qualidade da Cachaça, promovido pela USP de São Carlos


A Cachaça Mazzaropi ganhou uma medalha de ouro e duas de prata na classificação das melhores cachaças envelhecidas no 5.° Concurso de Avaliação da Qualidade da Cachaça, promovido pela USP de São Carlos, durante o IX Brazilian Meeting on Chemistry VIII of Food and Beverages, realizado entre os dias 3 e 6 de dezembro de 2012.

Este resultado foi alcançado pelas cachaças que são envelhecidas em barris de carvalho americano e francês. O evento, realizado a cada dois anos, selecionou entre as 48 marcas inscritas, oito do tipo envelhecida e oito do tipo descansada. A avaliação leva em conta não apenas as propriedades sensoriais como também o estado químico. “Estamos muito contentes, pois um prêmio como este demonstra que a dedicação da equipe, aliada aos esforços para garantir a qualidade, com rigidez nos controles e processos de fabricação, fazem a diferença e oferecem ao público uma bebida de qualidade comprovada”, disse Jorge Arthur Ribeiro, gerente-geral do Hotel Fazenda Mazzaropi.

Na quarta edição do concurso da USP de São Carlos, em 2010, a cachaça Mazzaropi recebeu uma medalha de prata. No ano passado, a bebida foi premiada também no VIII Concurso de Cachaça de Alambique promovido pelo Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP/Araraquara. Na ocasião, recebeu uma medalha de bronze.

A produção da Cachaça Mazzaropi está centralizada na Fazenda Fortaleza, em São Luís do Paraitinga (SP) e a armazenagem é feita em Taubaté, no Hotel Fazenda Mazzaropi. A bebida começou a ser produzida sem muita pretensão há alguns anos e, graças ao sucesso, primeiro entre os hóspedes do hotel, foi ganhando mais e mais investimentos. Atualmente, a Cachaça Mazzaropi já é comercializada em diversas lojas no Estado de São Paulo.

Mesmo com o processo de comercialização intensificado, a Cachaça Mazzaropi continua sendo produzida artesanalmente de 5 a 6 mil litros/ano. A obtenção de um produto de alta qualidade se dá por meio de alguns cuidados relacionados à análise química e sensorial, além de critérios rigorosamente seguidos. Primeiro, a seleção da cana, a colheita e a fermentação, sendo que todo esse processo é realizado sem qualquer adição de substâncias químicas. Segundo, são descartados o início e o fim da destilação, somente o “coração” da cachaça é selecionado para descansar em barris de carvalho americano e francês de até 200 litros em ambiente com temperatura e umidade controlados e por, no mínimo, 18 meses, o que confere cor e o aroma da Cachaça Mazzaropi. Para mais informações, acesse www.cachaçamazzaropi.com.br
 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A cachaça que deu certo


Como a tequila conseguiu deixar de ser uma bebida desconhecida para se tornar uma mania mundial - uma garrafa já foi vendida por 225 000 dólares

Mariana Barboza, de EXAME

Entra ano, sai ano e os produtores brasileiros de cachaça anunciam planos de mostrar ao mundo o verdadeiro valor da bebida nacional. A cachaça, segundo eles, tem tudo para se tornar um item de destaque na pauta de exportações brasileira. A estratégia para isso é fácil de resumir. Um forte investimento na modernização das técnicas de produção aumentaria a qualidade da bebida. Uma campanha de marketing mostraria que a caipirinha não precisa ser consumida somente em restaurantes da comunidade brasileira. Finalmente, uma grande oferta de garrafas no chamado segmento premium, as mais caras, aumentaria as margens de lucro do produto nacional. Pois, passados todos esses anos, o tipo de cachaça exportado ainda é o que custa pouquíssimos dólares - e dá aquela dor de cabeça no dia seguinte. Missão impossível? A história de outro destilado latino-americano mostra que não. Em menos de duas décadas, a mexicana tequila conquistou o mundo.

No ano passado, as exportações de tequila para os Estados Unidos superaram pela primeira vez a marca de 1,5 bilhão de dólares. O volume de vendas dobrou em pouco mais de cinco anos, crescimento considerado impressionante. Esse crescimento foi impulsionado justamente pelas bebidas de preço mais alto, o que mostra que a tequila está na segunda etapa de sua consolidação internacional. Se antes era uma bebida destinada a jovens em festas universitárias, hoje é um concorrente dos mais sofisticados uísques e vodcas. As fabricantes vêm investindo fortemente nesse segmento. A José Cuervo, que se tornou a oitava maior fabricante de destilados do mundo em razão do sucesso da tequila, prepara em sigilo absoluto o lançamento de uma marca superpremium. Em 2008, a fabricante lançou no mundo inteiro, inclusive no Brasil, a José Cuervo Black, idealizada para competir com uísques 12 anos. Por aqui, a garrafa custava 72 reais. Em um mês, todo o estoque trazido ao país foi esgotado. Para quem ainda duvida que tequila e sofisticação combinam, um aviso: o destilado mais caro da história é uma tequila, a Ley .925 Ultra Premium. Há três anos, graças a um audacioso golpe de marketing, que incluiu garrafa de platina e detalhes de ouro, a bebida conquistou seu espaço no Guinness Book: foi vendida por 225 000 dólares.

Como a tequila conseguiu? A bebida é produzida por meio da destilação do agave, planta semelhante a um cacto que nasce no estado mexicano de Jalisco, e passa por um período de maturação que varia de oito a dez anos. Quanto mais envelhecida, mais suave é o sabor da bebida - e mais salgado é seu preço. A tequila vem sendo consumida no México há quase 500 anos. Até o fim do século passado, porém, era ignorada fora das fronteiras mexicanas. Foi necessário o tino empreendedor de um americano, John Paul DeJoria, para globalizar a bebida. Filho de imigrantes, DeJoria chegou a morar na rua antes de se tornar pequeno empresário, vendendo produtos para cabelo de porta em porta. Em 1989, conheceu a tequila. A primeira experiência foi amarga, mas determinante para que o empresário se empenhasse em desenvolver algo mais suave. Três anos depois, tornou-se o primeiro importador da bebida nos Estados Unidos. DeJoria e seu amigo Martin Crowley fundaram a Patrón Spirits, primeira companhia a oferecer tequila ultrapremium fora do México. Hoje, a Patrón é líder no segmento e DeJoria é um dos empresários mais ricos dos Estados Unidos. Sua fortuna é estimada pela revista Forbes em 2,5 bilhões de dólares.

Nos últimos anos, grandes grupos internacionais começaram, de forma tímida, a tentar repetir o feito de DeJoria com a cachaça brasileira artesanal. A pioneira foi a britânica Diageo, que comprou a marca Nega Fulô e passou a investir em sua divulgação no exterior. Alguns anos depois, a francesa Pernod Ricard lançou a cachaça Janeiro, exclusiva para exportação, com foco na Europa. Os volumes de exportação, porém, ainda são irrisórios (pouco mais de 100 000 garrafas por ano). "A cachaça premium ainda é desconhecida fora do país", diz Eduardo Bendizius, diretor da Diageo. "Temos um longo caminho até torná-la um sucesso como a tequila." Em 2001, a cachaça estava na lista de prioridades do Ministério da Agricultura, cuja meta era duplicar as exportações em dois anos. Passados oito anos, isso ainda não foi alcançado. O valor das vendas, que na época era de 8,5 milhões de dólares, em 2008 fechou em 16,4 milhões - 1 centésimo do total de exportações de tequila para os Estados Unidos.

Saiba apreciar uma cachaça do jeito que só ela merece.


A nossa aguardente é uma bebida complexa, que merece atenção e respeito. Cachaceiro, não. “Cachacier” (Alexandre Campos, da inShare)

Cachaça de alambique se beneficia de nossa rica biodiversidade, sendo envelhecida com bons resultados em diversas madeiras além do carvalho

Não é difícil depararmos com textos dizendo que a cachaça é uma bebida que não deve nada a nenhuma outra. Há quem clame por menos preconceito e revele um sentimento ufanista da década de 60, afirmando que a cachaça é a única bebida genuinamente brasileira; por isso, temos de apreciá-la em detrimento dos destilados e fermentados “gringos”, e ponto final.

A discussão, via de regra, se perde em adjetivações nacionalistas e sentimentais, em que os participantes se esquecem de responder a perguntas básicas, como: Por que a cachaça não fica a dever a nenhuma outra bebida? Por que ela é especial? Enfim, por que a cachaça é uma bebida complexa?

Em primeiro lugar, entende-se por destilados complexos os que combinam dois métodos especiais de produção:

Destilação em alambiques de cobre (pot stills)
Maturação em barris de madeira

Diferentemente dos destiladores industriais — chamados também destiladores de coluna —, os alambiques de cobre conferem maior corpo, densidade, sabores e aromas aos destilados. E a maturação em barris confere uma gama ainda maior dessas desejáveis características ao produto final.

Dos inúmeros tipos de destilados existentes no mundo, apenas sete são produzidos pela combinação dos dois processos acima: armagnac, cachaça, calvado, cognac, rum, tequila e whisky. Sendo que o cognac é destilado apenas em alambiques de cobre, e a maioria dos armagnacs e calvados também.

Tudo bem que grande parte das cachaças, dos runs, das tequilas e dos whiskies são produzidos em larga escala em destiladores industriais. Mas quando esses destilados provêm de alambiques de cobre, com posterior maturação em barris, passamos a falar de bebidas especiais que merecem atenção e respeito.

A vodka, por exemplo, apesar de ser um destilado apreciado pela coquetelaria por sua versatilidade e neutralidade, não apresenta complexidade. Produzi-la é, de fato, muito simples. Basicamente, destila-se um mosto fermentado de batata, centeio, trigo ou uva em destiladores industriais, e a bebida já está pronta para consumo.

Alguns afirmam, equivocadamente, que a complexidade da vodka está em suas múltiplas destilações. Ora, se destilarmos uma bebida inúmeras vezes terminamos, no limite, com álcool puro, não é mesmo?

A complexidade em produzir um destilado não está, portanto, no número de destilações, mas sim em combinar a destilação em alambiques de cobre com o posterior envelhecimento em barris, ambos os processos requerendo técnicas e habilidades especiais de produção.

É certo que dois destilados se diferenciam dos demais, quanto à complexidade: o whisky single malt escocês e a cachaça de alambique (também conhecida como artesanal). Os dois são produzidos em alambiques de cobre. O primeiro se destaca, ainda, pela enorme variedade de barris de carvalho que se usam em sua maturação. Encontramos, por exemplo, single malts escoceses envelhecidos em barris de carvalho que maturaram previamente vinho jerez, vinho sauternes, vinho do porto, vinho tokaji, whiskey bourbon e por aí vai.

Já a cachaça de alambique se beneficia de nossa rica biodiversidade, sendo envelhecida com bons resultados em diversas madeiras além do carvalho, como amburana, bálsamo, cerejeira e ipê, entre outras. Até pau-brasil é usado para envelhecer cachaça!

A combinação alambique de cobre mais envelhecimento em barris é, portanto, crucial na produção de uma bebida complexa como a cachaça de alambique. E podemos citar excelentes exemplares produzidos em nossa terrinha como as cachaças Anísio Santiago, Salinas, Sapucaia, Vale Verde e Weber Haus.

Esquecemos os destilados de alambique de armagnac, calvado, cognac, rum e tequila? Não: trata-se, sem dúvida, de destilados complexos, mas com pouca variedade em termos de métodos de envelhecimento. O armagnac, calvado, e cognac são envelhecidos basicamente em barris de carvalho limousin e tronçais, e o rum e a tequila em barris de carvalho que maturaram previamente whiskey americano.

Ainda que reste muito por fazer em prol do desenvolvimento de cachaças premium, endossamos aqui a admiração e o valor que merecem as nossas cachaças de alambique. Podemos até dizer que a palavra “cachaceiro” deixou de ser ofensa, sendo aprimorada para “cachacier”, a que têm direito os poucos que, realmente, conhecem e sabem degustar a bebida que é a cara do Brasil.

Pesquisa usa irradiação para envelhecer cachaça


"O envelhecimento é uma das etapas mais importantes para a obtenção de uma cachaça de alta qualidade”, explica o professor Valter Arthur, do Laboratório de Radiobiologia e Meio Ambiente do Cena, que coordena a pesquisa. “As reações que ocorrem durante esse tempo favorecem a formação de compostos que influenciam no aroma, sabor e aparência da bebida.”
Técnica acelera o processo convencional de envelhecimento e permite apurar a bebida instantaneamente.

 São Paulo - Pesquisa do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, aponta que o processo de irradiação pode ser utilizado como um método alternativo de envelhecimento de cachaça. A técnica acelera o processo convencional de envelhecimento e permite apurar a bebida instantaneamente. No método tradicional, que consiste na interação do líquido com madeiras através do armazenamento em barris por longos períodos, o processo pode levar até três anos.

Na pesquisa é usado o processo de irradiação, que consiste em emitir uma onda de radiação sobre o produto, que modifica suas características.

A pesquisa aponta, baseada também em experimentos realizados em outros laboratórios, que o uso da irradiação numa dose 0,3 kilogray (quantidade de energia absorvida pelo material), considerada relativamente baixa, pode acelerar o processo de envelhecimento de cachaça. “Com essa metodologia, obtivemos uma cachaça similar à obtida pelo sistema convencional, quando comparado aos mesmos parâmetros”, comenta Arthur.

Outra vantagem apresentada é a diminuição dos aldeídos, componente responsável pela famigerada dor de cabeça. “Conseguimos uma diminuição expressiva desse composto químico que está diretamente relacionado ao desconforto que se sente ao ingerir a bebida numa dose além do limite”, disse Juliana Angelo Pires, pós-graduanda do laboratório de Radiobiologia e Ambiente.

Aspecto

Porém, para o aprimoramento do aspecto visual da bebida, a cachaça irradiada também vem sofrendo um período de envelhecimento. “Os apreciadores ainda preferem o destilado de cana-de-açúcar com a cor amarelada. Assim, ainda estamos utilizando a bebida semienvelhecida em tonéis de amendoim, pois essa coloração é normalmente obtida com a ajuda da madeira”.

Pesquisa com métodos alternativos, como adição de caramelo, para a coloração da cachaça já está sendo realizada para eliminar a necessidade da estocagem em tonéis de madeira. “Além disso, já estamos incorporando extratos vegetais como própolis, urucum e outros para dar essa coloração à cachaça e incrementar atributos com propriedades biológicas”, destaca Arthur.

“Consequentemente, isso aumentará ainda mais a viabilidade prática e econômica do processo de irradiação em larga escala de cachaça, pois somente o produto final, ou seja, as cachaças já engarrafadas e encaixotadas serão irradiadas para o envelhecimento”, conclui o professor.


O trabalho dos pesquisadores do Cena dá continuidade às conclusões de estudos realizados no Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Faculdade de Tecnologia de Piracicaba (Fatec) e no laboratório de Irradiação de Alimentos e Radioentomologia do próprio Cena.