Blog que tem o objetivo de reunir informações interessantes a respeito da cachaça artesanal paulista, licores, bebidas destiladas, gastronomia e outras relacionadas.
domingo, 21 de agosto de 2011
Caninha pura, direto do coração
Na destilação, despreza-se a cabeça e a cauda, responsável pela ressaca
Na boca do povo nunca houve diferença entre cachaça, pinga ou caninha. São apenas nomes diferentes para a mesma bebida. Até recentemente, para a lei não era assim. "Até setembro de 1997, a legislação brasileira definia cachaça como ‘aguardente obtida pela destilação do mosto de melaço fermentado, a principal matéria-prima do rum’", explica o químico João Bosco Faria, do Departamento de Química do câmpus de Araraquara. "Portanto, até então, a única diferença entre a cachaça e o rum relacionava-se com o processo de envelhecimento, que no caso do rum era obrigatório."
O que se sabe é que há várias versões para a origem da palavra "cachaça". Uma delas aponta em direção ao termo ibérico cachazza, que designava um tipo de vinho barato muito consumido em Portugal e Espanha. "Outra hipótese considera que ela possa ter vindo do termo que designava a fêmea do cachaço, um porco selvagem cujas carnes duras eram amaciadas com a aguardente."
De acordo com Faria, a partir da mudança contida no decreto 2.314 de setembro de 1997, o termo "cachaça" passou a ser sinônimo de caninha ou pinga e, desde então, define a aguardente obtida pela destilação do caldo de cana fermentado e não mais do melaço, sendo agora uma bebida distinta do rum. Melaço é o resíduo do processo de fabricação do açúcar. Como a demanda por aguardente hoje é muito maior do que a quantidade que se poderia obter a partir do melaço, passou-se a fabricá-la diretamente a partir do caldo de cana fermentado, acrescido de vários ingredientes.
PINGA, PINGA, PINGA
Depois desses acréscimos, o caldo passa a se chamar mosto. "Que nada mais é que o caldo de cana corrigido quanto aos teores de açúcares, nutrientes e temperatura", explica a engenheira agrônoma Márcia Justino Rossini Mutton, do câmpus da UNESP de Jaboticabal, uma estudiosa do assunto. "Nos pequenos engenhos, após essas correções, costuma-se acrescentar fubá, farelo de arroz, quirera de milho cru ou torrado, bolacha esfarelada, suco de limão, entre outras coisas."
Uma série de microrganismos transformam esse mosto, rico em açúcares, em álcool, gás carbônico e outros compostos (ésteres, aldeídos e ácidos), dando origem a um composto chamado vinho. "Esse vinho, por sua vez, é destilado em alambiques, grandes recepientes feitos de cobre", explica Faria. "Aquecido a temperaturas que podem chegar a 300 ºC, as frações alcoólicas desse vinho se volatilizam. Em forma de vapor, passam pelo capitel, pelo tubo condensador e por uma serpentina, onde se condensam, voltando à forma líquida, agora já como pinga, chamada assim porque, literalmente, pinga na saída da serpentina."
No caso das grandes indústrias, o processo de produção é um pouco diferente. O vinho é levado para o processo de destilação, que é realizado em aparelhos denominados colunas ou troncos de destilação. Estes funcionam de modo contínuo e são aquecidos a vapor. "A aguardente obtida nas colunas de destilação pode ser considerada tão boa ou de melhor qualidade que as obtidas nos aparelhos descontínuos, como os alambiques, dependendo do tipo de projeto e condução do mesmo", explica Márcia. "Existem diferenças quanto ao desenho e execução do processo em unidades de produção de tamanhos variados, o que implica a utilização de técnicas também mais adequadas, mas isso não compromete a qualidade do produto final. Tem-se bebidas de boa qualidade obtidas tanto de pequenas, quanto de médias e grandes unidades de produção."
Independentemente do processo de produção empregado ou do tamanho da "fábrica", no entanto, uma regra todos têm de cumprir: no processo de destilação é preciso separar cabeça, coração e cauda. "Cabeça são os primeiros 7,5% do volume do destilado inicial, que é rico em substâncias mais voláteis que o álcool, como o metanol, que é mortal para o ser humano", explica Faria. "Também descarta-se a fração final, de 7,5%, denominada cauda, constituída por compostos de peso molecular mais elevado que o do etanol, responsáveis pela dor de cabeça da ressaca. O que se aproveita são os 85% restantes, parte denominada coração, que é a cachaça propriamente dita."
Jornal UNESP