Por Júlio Bernardes - jubern@usp.br
Imagem cedida pelo pesquisador
Publicado em 16/agosto/2010
Editoria : Tecnologia
No Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, o químico Francisco Wendel Batista de Aquino investigou a formação de precipitados de dextranas na aguardente adoçada. O precipitado, na forma de flocos esbranquiçados, prejudica o aspecto visual da bebida e sua aceitação comercial. O estudo sugere um maior controle de qualidade no açúcar adicionado na produção de aguardente, além de um período prévio de estocagem antes da comercialização, para verificar indícios de precipitação.
Formação de precipitado pode levar de três a seis meses após adoçagem da aguardenteAs dextranas são polímeros resultantes do metabolismo de bactérias como o Leuconostoc mesenteroides amplamente disseminadas nos canaviais. “Estes microorganismos contaminam a cana-de-açúcar no campo e metabolizam a sacarose presente na cana”, relata Aquino. “A alta massa molar das dextranas impede que estes compostos cheguem à aguardente através da destilação.” Por essa razão, somente a bebida adoçada após a destilação apresenta os polímeros em maior ou menor quantidade, dependendo da qualidade do açúcar utilizado.
Embora as dextranas sejam inofensivas para a saúde humana, a sua precipitação leva a formação de um precipitado esbranquiçado dentro da bebida, o que prejudica a aceitação do produto junto ao consumidor. No início, o trabalho determinou a distribuição de massa molar médio das moléculas de dextranas mais frequentemente encontradas no açúcar brasileiro. “Por ser um polímero, existe uma natural variação na sua distribuição de massa, e quanto maior esta massa, maior será a sua insolubilidade em etanol”, explica o pesquisador. “Essa diferença também faz com que varie o tempo para a percepção de sua precipitação.”
Em seguida, foram realizados ensaios com soluções modelo adicionadas de padrões de dextranas com massas molares representativas das dextranas mais comumente encontradas no açúcar utilizado pelos produtores de aguardente. A precipitação foi acompanhada ao longo do tempo, em função de parâmetros de temperatura, acidez, presença de metais e variação da massa molar das dextranas. “A precipitação não é instantânea”, revela Aquino. “Mesmo com uma apreciável quantidade de dextranas na bebida, inicialmente acontece o aumento da sua turbidez antes da deposição do precipitado, o que pode levar cerca de três a seis meses.”
Armazenagem
Segundo a pesquisa, a diminuição da temperatura de estocagem e a queda de acidez também são fatores que favorecem a precipitação. Entretanto, Aquino afirma que a ausência de precipitação durante as primeiras semanas após o engarrafamento da aguardente adoçada não garante que o problema não se manifeste com o decorrer do tempo.
“Entende-se o lado econômico dos fabricantes de aguardente de cana, mas seria interessante para os produtores que não dispusessem de informações sobre a concentração e a distribuição de massa das dextranas presentes no açúcar, que seu estoque fosse monitorado por um período de pelo menos 90 dias, onde a não detecção de precipitados lhes forneceria uma razoável margem de segurança quanto a não ocorrência deste problema”, observa o químico. “Por isso, o controle de qualidade do açúcar usado na produção da bebida é fundamental.”
“É importante ressaltar que a adição de açúcar na aguardente é permitida pala legislação brasileira e o consumo de uma aguardente adoçada é questão de preferência do consumidor”, aponta o pesquisador. “Entretanto, o ideal seria a não adoçagem da bebida, pois além da ausência do problema da formação de flocos, outras características sensoriais de uma boa aguardente como uma baixa acidez seriam ressaltadas.”
Aquino realizou a pesquisa no Laboratório para o Desenvolvimento da Química da Aguardente (LQDA) do IQSC, coordenado pelo professor Douglas Wagner Franco. Os estudos devem prosseguir visando o desenvolvimento procedimentos que possuam levar a redução do problema mesmo quando da adoçagem da aguardente.