sábado, 11 de dezembro de 2010

Sagatiba

Sagatiba. Antes de ser uma cachaça, é um case. Concebida pelo empresário Marcos de Moraes, que acabara de embolsar uma fortuna de nove dígitos num bem-sucedido negócio na área do ponto com, a cachaça Sagatiba escolheu lançamento tipo tapete vermelho sabem onde? No Principado de Mônaco. Bem a propósito de um produto de exportação que buscava, desde saída, cravar a imagem de luxuoso privilégio. Em maio de 2004, seguiu para o Principado o faustoso trem da alegria de celebridades brasileiras e a desocupada nobiliarquia monegasca serviu de anfitriã, com direito a escola de samba e desfile de mulatas sestrosas na rue Suffren-Reymond e no quai do Port Hercule.

De cara, o inebriado Moraes - dono de uma das mais caprichadas adegas de tintos do País - investiu 70 milhões de dólares em uma campanha publicitária pilotada pela badalada Saatchi&Saatchi, de Londres, e entre suas cartadas de marketing está aquele antológico momento em que cinco garrafas da Sagatiba - a versão envelhecida, não por acaso apelidada Preciosa, embalada em caixa de madeiras nobres brasileiras com design de Claudia Moreira Salles - foram disputar o martelo fino e chique daquela Christie's onde se leiloam quadros e peças milionárias. As garrafas - distribuídas em um lote de vinhos e licores finos - foram arrematadas por 400 euros, cada uma.

Em 2005, a partir de uma destilaria de Patos de Minas e a expertise de Gilles Merlet, mestre francês na alquimia do conhaque, Steve Luttmann, procedente da grife de luxo LVMH, e mais dois sócios do mercado financeiro decidiram aceitar o desafio de enfeitiçar o mercado americano com o que pretendiam que fosse o estado da arte da cachaçaria. Assim nasceu a Leblon, que só em 2007 ingressou - em doses diminutas - aqui no mercado local. Até então, a Leblon só circulava nas altas rodas dos Upper Seventies de Nova York ou nas pérgolas dos Hamptons.

Semelhante à experiência Sagatiba, a Maison Leblon - assim, com pedigree francês - pode dissimular um capricho pessoal, mas existe lógica nessa loucura, é o que o mercado internacional tem indicado (a cachaça já é, em consumo, o terceiro destilado do mundo, perdendo apenas para a vodca e o coreano shoju).

Tanto que as duas mais musculosas multinacionais das bebidas aguçaram o nariz em direção à aguardente brasileira e também lançaram suas marcas, de olho prioritariamente no mercado de exportação. Dificilmente alguém irá encontrar, mesmo em capitosos templos como o restaurante Mocotó, de São Paulo (leia na sequência), uma cachaça como a Janeiro, da Pernod Ricard, império etílico de origem francesa e proprietário de grifes como o Ballantine's, o Chivas Regal e o champanhe Perrier Jouët. Mais fácil achar a Janeiro na Nikki Beach, em pleno verão de Saint-Tropez.

A Diageo, a número 1 do mercado mundial (leia-se Johnnie Walker, Absolut, Cîroc, etc.), adquiriu há um ano, a antiga Maria Fulô, de Nova Friburgo, Estado do Rio, e acaba de promover o extasiado relançamento de uma linha for export em que pontifica, top dos tops, a Fulô Ipê, com aromas de sândalo e ameixa - obra assinada pelo mestre cachaceiro Vicente Ribeiro.

O refinamento ainda é, contudo, um nicho - tanto fora quanto dentro do Brasil. As mesmas cinco marcas de aguardentes industriais que abarcam, só elas, 60% do mercado interno de 1,4 bilhão de litros/ano são aquelas que também suprem, em maior volume, a caipirinha gringa de cada dia. Não há quem não seja capaz de enumerar: Ypióca (de Maranguape, Ceará), a paulista Pirassununga 51, Tatuzinho, Três Fazendas, Velho Barreiro (essas três do grupo IRB, com sede em Piracicaba e Rio Claro).

É só o começo. A exportação tem crescido até 20% ao ano (como aconteceu de 2007 para 2008), mas o resultado não é de fazer ninguém entrar em transe: pouco mais de 16 milhões de dólares pelos 11 milhões de litros vendidos. Em resumo, o Brasil não chega a exportar nem 1% das cachaças que produz.
Alemanha, Portugal e, acreditem, o Paraguai encabeçam o rol dos compradores. A sistemática irrupção das cachaças premium e superpremium é que pode, se não aumentar o volume, pelo menos agregar valor à exportação.

Preferência nacional, a cachaça - e que se pronuncie de boca cheia o nome original, autêntico, verdadeiro - ainda luta para deixar as páginas de um folclore debochado e autodepreciativo capaz de botar na mesma prateleira aquelas brincadeiras tão típicas do Nordeste - marcas como Amansa Sogra, Consolo de Corno e Segura no Pau (que o sommelier Leandro Batista da Silva tem na conta de "um líquido, nunca uma cachaça") - com finos, saborosos, complexos elixires como a Havana, relíquia curtida em bálsamo que ficou como souvenir do mestre dos mestres, Anísio Santiago. O patriarca de Salinas se foi, sete anos atrás, mas os puristas da purinha - em contraste com certos trastes industrializados - deviam cotidianamente brindar, nas novas gerações de mestres artesanais, o seu esfuziante legado.