Cachaça, pinga, aguardente, canjebrina, caninha, branquinha, manguaça, água-que-passarinho-não-bebe. O brasileiro é criativo ao nomear uma de suas bebidas preferidas. Apostando neste consumidor fiel, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) criou o Programa de Revitalização e Capacitação da Produção de Cachaça de Alambique Paulista. O produto que prevalece no mercado é o industrializado, regularizado e taxado. Mas existe espaço para a cachaça de alambique, destilada por pequenos produtores, muitos na informalidade.
Orientado e regularizado, ele terá condição de comercializar sua bebida num mercado que produz 1,3 bilhão de litros por ano e exporta US$ 14 milhões, pelos números da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cachaça, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
A coordenadora do Grupo de Estudos da Cadeia da Cachaça de Alambique (Gecca) da Apta, Celina Maria Henrique, observa que não há números confiáveis sobre o segmento em função da informalidade. Porém, prevê-se que da produção anual citada cerca de 300 milhões de litros venham do pequeno produtor, que se vira como pode: fornece a granel a consumidor ou comércio e até para grande fabricante de cachaça. Esse último homogeneíza o produto e o vende depois com marca própria.
Artesanal, não! De Alambique.
Artesanal, não – A primeira fase do programa começou em abril, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que investiu R$ 37 mil. O resultado, diz Celina, será mostrado à agência no mês que vêm, para então reivindicar a continuação do programa. Nessa etapa atual, o Gecca elaborou perguntas para determinar o perfil do pequeno produtor e depois orientá-lo a produzir com qualidade a um público diferenciado, com preço superior ao popular. Oitenta proprietários de alambique, escolhidos num universo de 240 abrangidos pelo programa, receberam questionários. A iniciativa conta com prefeituras, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e pesquisadores de universidades paulistas.
Os 240 participantes representam quatro principais localidades produtoras do Estado, nas regiões de Monte Alegre do Sul, Piracicaba, Jaú e Ribeirão Preto, que englobam duas centenas de municípios. Em Monte Alegre há o maior número, 33 alambiques. O nome cachaça artesanal, ressalva Celina, é proibido por lei federal, apesar de ser usado. “O correto é cachaça de alambique”, corrige. O questionário distribuído aborda característica socioeconômica do produtor, manejo fitotécnico (espécie de cana usada), processo técnico e aspecto ambiental dos subprodutos, a vinhaça e a palha de cana. A primeira é geralmente usada como alimento para gado e a outra ou é queimada, o que não é certo, de acordo com as autoridades ambientais, ou vira adubo.
Workshops – O Gecca promoveu este ano quatro workshops em cada uma das regiões produtoras e um quinto no mês passado, em Piracicaba, de âmbito estadual, com 200 donos de alambique e outras pessoas participantes do programa. Celina e especialistas estaduais e federais falaram sobre legalização, tributação e mercado do produto. Na segunda fase do programa, prevista para fevereiro de 2009, o investimento será de R$ 300 mil. O Gecca vai se aproximar ainda mais do pequeno produtor para ver seu processo produtivo, examinar a cachaça em laboratório para adequá-la a padrões de qualidade, orientar sobre impacto ambiental causado pelos subprodutos e ensinar métodos de administração empresarial (cálculo do preço, cooperativismo, registro da empresa e do nome comercial do produto, bem como embalagem). O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento será parceiro.
Aprenda como se faz pinga de alambique
Primeiro, a cana-de-açúcar é moída para extrair o caldo, que será fermentado por um dia num recipiente chamado dorna. Em seguida, enviado à destilação, operação que separa, pelo calor, a cachaça (em forma de vapor, depois condensada por resfriamento) da vinhaça. O produto destilado é guardado em tonéis de madeira para adquirir cor ou sabor diferente. “Esta última etapa, ausente na produção industrial normal, é o diferencial da cachaça de alambique”, explica Celina.
Da cana aos tonéis de carvalho
O produtor Ronaldo Antonio D’Abronzo foi um dos que recebeu o questionário da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) para responder. Seu alambique é um dos maiores da região de Piracicaba, com capacidade para 20 a 30 mil litros por ano. A maioria de sua produção anual de cana, em torno de 500 toneladas, vai para usinas de açúcar e álcool. Porém, a família D’Abronzo reserva parte da cana para cachaça e assim obtém outra fonte de renda. Além de Ronaldo, trabalham seu pai, Francisco, e seu irmão Rinaldo.
Embora ambos tenham registro, ainda não iniciaram a venda da pinga com nome comercial, embalagem e rótulo próprios. Por enquanto, fornecem a granel para comerciantes locais e da capital. A qualidade da cachaça D’Abronzo foi reconhecida em testes de laboratório. A família vive somente da terra e mora em sua propriedade de 20 alqueires, em Charqueada, cidade ao lado de Piracicaba.
Valdir Antonio Ciuldin pretende reiniciar produção nos próximos meses e já escolheu um evento em Piracicaba para lançar sua marca Bico Doce. Será durante a 4ª Feira Cachaça e Peixe Frito, na famosa Rua do Porto, em Piracicaba, em novembro.
No momento, ele monta novas instalações do alambique em sua fazenda de Limeira, onde planta cerca de 150 toneladas de cana por ano. Toda a produção será destinada à Bico Doce. Nunca vendeu para usinas. “A quantidade que planto não é suficiente para esta finalidade, somente para destilar cachaça”, ressalva Valdir.
Produzir cachaça é uma tradição nesta família descendente de italianos. É a terceira geração a trabalhar no alambique, pois Valdir aprendeu com o pai Luiz e agora ensina seu filho, Marcelo, de 21 anos. Mas os Ciuldin não vivem só da terra. Eles moram em Americana, onde Valdir tem oficina mecânica.
Valdir agradece ao pessoal da Apta pela iniciativa de criar o programa de revitalização e orientar o pequeno produtor. “Aprendi muito nos encontros e agora quero começar uma nova fase, a de fabricante de pinga especial de alambique”. As duas famílias armazenam sua produção em tonéis de carvalho (jequitibá-rosa). Alguns tipos de pinga ficam guardados por anos.
Otávio Nunes, da Agência Imprensa Oficial
(M.C.)