As promessas de uma experiência gastronômica diferente ou de um artigo que traga uma sensação nova para o comprador aparecem cada vez mais aos olhos de quem exige qualidade. Atentas a esse filão e em estratégias para enfrentar a concorrência, empresas apostam na inovação e criatividade. O resultado é o crescente número de produtos e serviços que se denominam premium ou, no caso do ramo da alimentação, gourmet. Mas, afinal, como saber quem realmente cumpre os requisitos para usar essas denominações?
Categorias premium e gourmet conquistam cada vez mais espaço nas prateleiras e nos restaurantes
Para a professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Ani Hartz, para adotar o conceito premium é preciso levar em consideração quatro premissas: a tradição, o preço mais elevado, a raridade e o emocional, que seriam as sensações e experiências percebidas pelo consumidor. “As marcas que atenderem a esses elementos primordiais se encaixam na definição. É preciso levar em conta também características complementares e tão importantes quanto, tais como a qualidade superior, durabilidade, design, atendimento personalizado e idoneidade da empresa”, afirma.
Para isso, a especialista alerta que o público precisa estar atento a esses preceitos para ver se realmente o item ou serviço pode ser considerado premium. Segundo Ani, há casos em que empresas trabalham aspectos de marketing, como a comunicação, e, na prática, o artigo não é exatamente como o divulgado. Ela lembra também que existem três níveis de produtos que podem se enquadrar no conceito: o luxo acessível, como cosméticos e perfumaria, o luxo intermediário, que está nos calçados, por exemplo, e o luxo inacessível, do qual faz parte a alta joalheria. “Para cada grau, há diferentes níveis de exigência, de consumidores e de esforços de marketing”, explica.
A professora da ESPM avalia que o mercado é promissor e que cresceu mesmo em meio à crise econômica e aos altos impostos no Brasil. Uma das características principais no País, diz ela, é que quase 100% das compras são parceladas, o que facilita o acesso a artigos mais caros em virtude da facilidade de crédito. “Além disso, estima-se que até 2015 mais de 30 milhões de pessoas migrem para as classes A, B e C e que até 2025 o mercado de luxo brasileiro represente 5% na participação mundial”, analisa.
No caso do ramo da gastronomia, os espaços para a chamada gourmetização avançam a passos largos. Conforme a professora da área da faculdade do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial no Rio Grande do Sul (Senac-RS) Letícia Silva, essa é uma tendência no setor, pois os clientes estão mais exigentes e dispostos a pagar um pouco mais pelo que consideram incomum e inovador.
Para ser considerado um alimento gourmet, Letícia explica que é preciso que os ingredientes usados na preparação sejam diferenciados. Como exemplo, cita que, quem quer abrir uma hamburgueria gourmet, por exemplo, precisa ter um pão com uma fermentação especial e componentes que combinem com a proposta do prato que está sendo servido. Para isso, é preciso que o cheff tenha noções técnicas e de base da culinária tradicional. “É preferível fazer uma comida típica, que tenha um apelo mais caseiro, do que algo de qualidade duvidosa. Não adianta colocar foie gras (iguaria francesa a base de fígado) em um cachorro-quente se o sabor não vai combinar”, salienta.
A professora do Senac-RS afirma que o crescimento do mercado gourmet está atraindo profissionais para a área de culinária e que a demanda por mão de obra é alta. “Muitos dos nossos alunos estão atrás desse tipo de proposta, como as comidas de bistrôs, que são mais personalizadas e permitem trabalhar com a temática de alimentos mais sofisticados. Isso requer técnica de cocção e formas de trabalhar os elementos que integram a receita”, reforça a especialista.
Para reconhecer se um alimento realmente é gourmet, Letícia indica que é preciso atentar para questões como a forma de utilização dos ingredientes artesanais e a forma de preparo do prato ou lanche. “Isso é o que traz a valorização e permite ver se realmente é gourmet ou se é um engano”, sentencia.
Entenda os conceitos
PREMIUM: São considerados os produtos e serviços de alto valor agregado com diferenciais de inovação. A professora da ESPM, Ani Hartz, destaca que, além de um preço maior, são consideradas características como a raridade, a tradição de uma marca e a experiência que vai trazer para quem consumir.
GOURMET: O termo é mais destinado para a alimentação, especialmente na elaboração de pratos da culinária. É a transformação de alimentos básicos, como os fast-foods (hambúrgueres e cachorro-quente, por exemplo) que ganham novos componentes e apresentações. A professora do Senac-RS, Letícia Silva, destaca que para um alimento ser considerado gourmet precisa ter elementos diferentes do produto tradicional.
Supermercados e restaurantes seguem a onda
O crescimento da tendência premium e gourmet também movimenta o setor varejista e o comércio de bares e restaurantes no Rio Grande do Sul. A demanda por linhas diferenciadas está fazendo com que os supermercados valorizem esses artigos nas gôndolas como forma de atrair os consumidores.
De acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, 30% das empresas que compõem as listas de itens à venda estão investindo nessas categorias. O dirigente afirma que a linha gourmet, por exemplo, tem a preferência do público masculino, que busca o preparo de pratos especiais em seus momentos de lazer. “Essa é mais uma categoria que ganha espaço e que pode agregar valor para as redes que têm esse perfil de cliente”, observa.
Sobre a questão de preço em relação ao valor agregado, Longo destaca que a escolha depende do perfil de cada loja e de cada comprador. Há casos de marcas mundiais, que eram o sonho de consumo da população, que, mesmo vendidas por mais do que o dobro do preço, acabam tendo a preferência do cliente. O presidente da Agas reforça também que as categorias que fazem parte do dia a dia do público têm o seu sucesso garantido e novas categorias podem enfrentar dificuldade de ganhar espaço entre os compradores.
O vice-presidente comercial do Walmart Brasil, César Cinelli, ressalta que até pouco tempo o entendimento sobre um artigo premium é que ele deveria ser importado, mas o investimento das empresas brasileiras em criar soluções nesse nicho acabou mudando a cultura.
Entre os itens com mais sucesso, o executivo do Walmart cita os chocolates e os frisantes e avalia que a distância entre o produto premium e o líder é muito pequena na preferência do comprador. “O consumo desses itens tem tido crescimento. O cliente está saindo do produto tradicional e migrando para aqueles de mais qualidade e que, por consequência, são mais caros. O cliente não é bobo, ele percebe essa mudança. Se vê um leite de marca diferente com uma embalagem especial, fica muito atraído em conhecer”, reforça Cinelli.
No segmento gastronômico, o presidente da seccional do Rio Grande do Sul da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-RS), Naldo Barbosa, acredita que o crescimento dos locais dedicados à culinária gourmet tem incentivado os cidadãos da capital gaúcha a frequentarem bares e restaurantes. “Os espaços criados com essas experiências contribuem para fomentar o hábito de comer fora”, diz.
Escrito por Jafer
Publicado em Jornal do Comércio