sábado, 29 de outubro de 2011

Pesquisa da UFAL viabiliza novas marcas de cachaça

Não existe no Brasil uma bebida que sofra mais preconceito por parte dos consumidores do que a cachaça. A bebida, popularmente conhecida como “pinga”, está presente em todo o território nacional, e para muitos pode não ser “uma boa ideia”. Para a ciência, no entanto, o seu conhecimento é irresistível.

João Nunes ajuda a valorizar a cachaça como potencial comercial

É isso que motiva o pesquisador João Nunes, do curso de Engenharia Química da Universidade Federal de Alagoas. Ele desenvolve há pelo menos 10 anos uma cachaça artesanal, proveniente de estudos que envolvem o envelhecimento em barris de diferentes tipos de madeira, que dão um sabor e uma coloração diferenciados à “branquinha”. Com uma cor mais viva, a cachaça é produzida e armazenada em diversos tonéis no Laboratório de Derivados de Cana-de-açúcar da Universidade.

Para o pesquisador, o segredo do destilado está diretamente associado à seriedade do trabalho. Para Nunes, a “cachaça está se tornando chique”, não devendo em nada em qualidade diante de produtos já consagrados como, por exemplo, o uísque, de origem escocesa. Tudo isso vem sendo comprovado aos poucos, pelo surgimento de bares especializados, inclusive na capital alagoana, demonstrando uma aceitação comercial cada vez mais crescente e, portanto, uma diminuição no famigerado preconceito.

João Nunes tenta explicar o fascínio pela bebida. “Como professor do curso de Engenharia Química eu me interessei pelo produto desde o início… Comprei um alambique pequeno, pra começar a dar aula prática. Não produzia muito, mas depois das aulas era comum distribuir gratuitamente, e foi aí que começou a ter retorno”, conta o pesquisador.

O processo acabou sendo natural. Em pouco tempo, já existia estudantes interessados em testar novos melhoramentos na bebida. Com isso, foram surgindo trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses de doutorados sob a orientação de Nunes.

O que antes era tido apenas como uma atividade curricular, que reunia dentro da academia conhecimento científico, gastronomia e diversão, acabou se tornando também um negócio. Foi assim que João Nunes abriu em 2008 a empresa Nunes e Góes Beneficiamento e Comércio de Bebidas LTDA. E passou a investir dinheiro do seu próprio bolso, cerca de R$ 150 mil ao longo dos anos, para produzir diferentes tipos de cachaça e comercializar o produto.

Ao mesmo tempo, porém, a pesquisa continuava na universidade por meio da criação de uma empresa na incubadora da Ufal. É por isso que, para ser comercializada, a cachaça “Engenho Nunes” recebe também o selo da universidade.

“A produção ainda é pouca, porque não existe uma grande demanda, mas aos poucos as pessoas estão perdendo o preconceito com o produto quando veem que é de qualidade”, justifica o professor.

Entre os estabelecimentos comerciais que já disponibilizam a cachaça universitária na prateleira, estão os restaurantes Bodega do Sertão, na Jatiúca, Império dos Camarões, na Ponta Verde, e a casa de bebidas Pichilau, na Gruta de Lourdes.

Processo

Para produzir a aguardente de cana, o pesquisador usa barris de diferentes tipos de madeira como o carvalho, castanheira, jequitibá, jatobá e umburana. As mais consumidas são as cachaças feitas com madeira de carvalho e umburana. Por fim, o produto deve conter entre 38% e 48% de álcool, segundo normais nacionais.

 “A verdadeira cachaça, não é aquela que desce arranhado a garganta. É aquela que, se bem apreciada, não dá ressaca e nem dor de cabeça”, ressalta Nunes, com relação ao popular efeito nocivo da bebida.

 Mensalmente, a cachaça passa por uma análise de qualidade feita em laboratório. É nesse laboratório que os estudantes têm a chance de aprimorar seus conhecimentos científicos e testar inovações que podem ser refletidas na qualidade final do produto.

Fatores climáticos como temperatura e os raios do sol também influenciam na boa qualidade da cachaça. O produto final depende também do tempo de repouso e envelhecimento.

Como nenhuma pesquisa tem o caráter definitivo, o pesquisador avisa que novas alternativas continuam sendo buscadas durante o estudo, como a utilização de outros tipos de madeira, totalizando em nove, o número de cachaças produzidas. Além disso, o próprio pesquisador já orienta uma tese de mestrado que objetiva aprimoramento da aguardente de mel de abelha de diferentes floradas.

Novos produtos entram no mercado com selo da UFAL
Bom Negócio

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac), no Brasil existem atualmente 40 mil produtores de cachaça, sendo que 99% são micros ou pequenos produtores. Ainda segundo o instituto, existem quatro mil marcas de cachaça no país, que contribuem com 600 mil empregos diretos e indiretos.

 No ano de 2009, o país exportou 10,8 milhões de litros da bebida. Os principais compradores foram Alemanha, Estados Unidos, Portugal e França.

 O reflexo dos dados pode ser traduzido no recente investimento em bares especializados, como é o caso da Cachaçaria Água Doce, na Jatiúca. E a escolha do nome não é por acaso.

“Cachaça hoje em dia é uma tendência mundial. É tanto que a Sagatiba [primeira marca de cachaça a se estabelecer fora do Brasil, em 2004] foi comprada pela italiana Campari”, conta o empresário Rosiel Caetano, proprietário da cachaçaria.

Segundo ele, a referência da bebida no exterior é muito forte. “A gente atende vários clientes ‘gringos’, que chegam a Alagoas com esse intuito: provar a cachaça brasileira. É por isso que a minha empresa está querendo montar pelo menos mais três franquias fora do país”, avisa, entusiasmado.

De acordo com Fernando Pichilau, dono da Pichilau Bebidas, na Gruta, “o produto vende, e vende bem”. “Apesar das cachaças mineiras ainda dominarem o mercado, é notável o crescimento do produto local”, avalia. O estabelecimento disponibiliza para venda, além da cachaça desenvolvida no laboratório da Ufal, a cachaça Brejo dos Bois, Gogó da Ema e Valeu Boi, todos produtos inteiramente alagoanos. 

Raízes

A cachaça é considerada símbolo da identidade do povo brasileiro. A justificativa pode ser buscada na história. Em 1660, uma rebelião que ficou conhecida como Revolta da Cachaça, foi determinante para que a Coroa Portuguesa legalizasse a produção e comercialização da bebida.

A proibição era uma forma de incentivar o consumo da bagaceira, bebida produzida pelos portugueses a partir do bagaço da uva. A elite bebia a bagaceira, o vinho. Enquanto que os escravos ficavam com o mel da cana-de-açúcar.

 A liberação do consumo da cachaça aconteceu em 13 de setembro de 1661, há exatos 350 anos. A data é considerada pelos produtores como o “Dia da Cachaça”. Porém, ainda tramita no Congresso Nacional uma lei que tenta oficializar o dia no calendário brasileiro de datas comemorativas.

Os escravos depois de um dia duro de trabalho, na produção de cana-de-açúcar, deixavam o mel sem estar no ponto. Com o tempo, o caldo fermentava e se tornava azedo. “Aí alguém bebeu e achou interessante… E assim começou o processo de destilação. A condensação dos vapores do álcool batia no telhado e pingava nas costas dos escravos, e supostamente, a partir dessa ocasião a bebida passou a se chamar pinga”, explica o pesquisador João Nunes.

A atividade foi rapidamente estimulada pelos senhores de engenho, que viram na aguardente uma maneira de controlar os escravos. A bebida deixava-os mais alegres, e, portanto, fazia esquecer a saudade de casa.

Autor: Milton Rodrigues e Petronio Viana
Fonte:  http://tribunahoje.com/noticia/5300/cidades/2011/09/12/pesquisador-da-ufal-produz-cachaca-artesanal-em-alagoas.html